A GAROTA DO TELEMARKETING – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

A GAROTA DO TELEMARKETING

O telefone de casa tocou insistentemente e eu atendi:
_ Alô!
_ Alô – respondeu uma voz feminina jovem.
_ Tudo bem com você? – perguntei interrompendo o que ela iria dizer.
_ Está sim. E com o senhor? – perguntou ela já não esperando aquela minha pergunta.
_ Eu estou bem também. E a sua família? – perguntei eu insistindo no diálogo.
_ Minha família? – perguntou ela.
_ Sim! – fui efusivo. – Como vai a sua mãe?
_ Está bem – respondeu ela titubeando.
_ Então ela melhorou. Que bom!
_ Mas ela não estava doente – lembrou a moça do outro lado da linha.
_ Ah! Então foi a sua prima Júlia que estava doente.
_ Eu não tenho uma prima Julia, senhor. O motivo da minha ligação…
_ É saber como está a Julia. Você tem uma prima que se chama Julia sim. Você não está se lembrando dela.
_ Não, senhor! Eu não tenho uma prima Julia, senhor. O motivo…
_ Você não sabe, mas você tem uma prima Julia e ela gosta muito de você.
_ Sério, senhor?
_ Sim! Estou vendo aqui, no tarô, que ela gosta muito de você.
_ O senhor está vendo no tarô, senhor?
_ Sim. E você precisa ajudar a sua prima Julia, que gosta muito de você, porque ela está precisando de você.
_ Mas porque ela está precisando de mim, senhor.
_ Ela está doente – disse eu sério. – Ela precisa da sua ajuda.
_ E onde eu vou encontrar a minha prima Julia que está muito doente e que precisa de mim e que eu não sei quem é?
_ Isso o tarô não fala. Sua irmã não sabe?
_ Não. Minha irmã mora em outra cidade – explicou ela sem pensar.
_ E ela vai se casar quando?
_ Minha irmã? Ela não vai se casar…
_ Vai sim! O tarô está dizendo aqui. Vai se casar com um jovem de cabelos pretos.
_ O Roberto? – quase gritou ela. – Ela não pode se casar com o Roberto.
_ Por quê? – perguntei.
_ Porque eu amo o Roberto e ela sabe. Ele é meu namorado.
_ Mas o tarô…
_ O tarô fala que o Roberto me ama?
_ Não sei! Isso está meio nebuloso aqui pra mim.
_ Mas minha irmã sabe que eu gosto do Roberto…
_ E seu pai? – perguntei mudando de assunto.
_ Como assim, senhor. O que tem meu pai?
_ Ele está bem?
_ Está sim. Meu pai está bem – repetiu ela com firmeza na voz.
_ Ele já mudou de emprego?
_ Não. Ele vai mudar de emprego?
_ O tarô…
_ Senhor, eu não quero mais saber desse seu tarô. O motivo da minha ligação é para falar com o senhor Artur. É o senhor?
_ E quem quer falar?
_ Eu sou a Daiana do Serviço de Empréstimos Para Sacanear Velhos Aposentados. Ele está?
_ Daiana igual à princesa? E você é bonita como ela?
_ Isso não importa, senhor. O senhor é o senhor Artur?
_ Não, minha filha. Ele saiu e o tarô está dizendo que ele só volta depois do casamento.
_ Que casamento, senhor?
_ Da sua irmã, Daianinha.
Ela bateu o telefone na minha cara. Pena que não será a única garota do telemarketing que vai ligar para minha casa – essa nunca mais ligará. Eu estava com paciência e disposto a me divertir. Sei que ela estava trabalhando, mas tem dia que são umas duzentas mil ligações de todo tipo. Pior ainda quando ligam procurando por quem já morreu há algum tempo.
Eu fiquei só com uma dúvida: será que o Roberto vai se casar com quem?

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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