A MORTE DA COSTUREIRA – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

A MORTE DA COSTUREIRA

O PACTO – 5º CAPÍTULO

A Polícia de Juiz de Fora estava confusa. Encontraram nos dois últimos meses cinco corpos de moradores de rua assassinados na madrugada. Todos tinham o coração arrancado do peito e eram achados em uma poça de sangue. Os lugares se alternavam: o primeiro corpo foi identificado entre os moradores da calçada do banco HSBC na Av. Itamar Franco. Só havia aquele mendigo dormindo naquele lugar naquela madrugada fria. Quando foi acionada a polícia encontrou o cadáver frio e o sangue que o envolvia seco. Havia sido morto mais de três horas antes e ninguém havia visto nada até aquela manhã. Os outros corpos foram encontrados em pontos diferentes da cidade, sempre em locais comuns onde moradores de rua dormem. E sempre que acontecia, havia apenas um mendigo dormindo sozinho.
Quem estava atacando os pobres coitados sabia a hora certa para atacar.
Estêvão acordou tarde naquela quarta-feira. Estava se sentindo muito bem, forte, revigorado, cheio de energia. A esposa já havia se levantado e ele espreguiçou-se na cama. Ele sentiu que seu corpo estava maior. Ele não viu, mas teve a impressão de ter uma cauda saindo de suas nádegas. Ele riu. Que bobagem. Levantou-se, foi ao banheiro, olhou-se no espelho e viu uma cópia de seu rosto de olhos vermelhos e chifres na testa. Fechou os olhos, sacudiu a cabeça e olhou novamente. O que viu – a imagem com a qual estava acostumado, sem nada demoníaco – deu-lhe tranquilidade. Ele estava pronto para o dia de trabalho, mas antes disso, enfrentar o café da manhã da família feliz.
A esposa lhe serviu o desjejum, mas como nos outros dias ele comeu pouco. Uma xícara de café quente sem açúcar lhe fez bem.
_ Você está comendo muito pouco, Estêvão – observou ela.
_ Não, querida. Eu acabo comendo o dia todo no restaurante – justificou-se ele.
_ Cuidado, meu bem, a vida não pode ser só trabalho.
Ele riu. Beijou a esposa e saiu de casa antes que os filhos tivessem acordado.
Na empresa, o burburinho do dia era a morte do quinto morador de rua naquela madrugada. Estêvão passou pelos empregados sem cumprentar ninguém e bateu a porta do seu escritório. Um garçom se benzeu com o sinal da Cruz.
O dia de trabalho foi semelhante a todos os outros, casa cheia, muita comida, muito lucro. Lucro e mais lucro era o que interessava ao homem de olhos vermelhos e pele quente que ficou todo o dia no escritório sem comer ou beber o que quer que fosse. Por certo os empregados observavam aqueles modos do patrão. Ora ou outra o viam tomando um uísque, mais nada
Ele não comia. Não ficava bêbado. Permaneceu sentado à frente do computador trabalhando o dia todo.
Por volta das vinte e duas horas o gerente daquele restaurante precisou falar com ele e Estêvão o recebeu para determinar estratégias de compras e cardápio para o dia seguinte. O jovem rapaz ruivo, ainda de avental vermelho sobre a roupa imaculadamente branca se sentiu desconfortável na frente do patrão. Pareceu-lhe que não estavam sozinhos naquela sala, além do cheiro de enxofre, havia alguém que o observava. Estêvão estava com pressa para resolver as coisas com o empregado e deu ordens ríspidas, terminando a conversa rapidamente. Augusto saiu da sala do chefe, respirou fundo para se ver livre do cheiro da sala e voltou para seus afazeres. Em menos de duas horas iria embora para sua casa. O rapaz morava com a mãe em um bairro afastado do centro.
Estêvão se levantou e o barulho que ouviu ao bater os pés no chão fez com que ele pensasse em cascos de bode. Olhou para os pés rapidamente e os sapatos de couro alemão estavam brilhando. Ele riu. Estou virando um demônio? Pensou. Bobagem!
Saiu da sua sala e entrou na cozinha onde ainda estavam preparando os jantares e não disse nada. Todos estavam ocupados, mas pararam o que faziam quando o chefe passava perto. Estava tudo muito bem. Um a um, todos voltavam ao trabalho.
Um telefone tocou e Augusto atendeu:
_ Como assim? – perguntou alto chamando a atenção dos colegas e do próprio patrão.
Uma voz lhe contou o que havia acontecido com a senhora sua mãe.
A costureira Marta, mãe de Augusto estava em casa acabando um vestido para uma cliente bastante exigente quando bateram à porta. Ela ficou chateada de ter que parar aquela bainha naquele ponto onde estava para atender à porta. Ao abrir, olhou o homem à sua frente vestido em um terno de tweed verde claro com um chapéu e bengala. Nossa! Que homem bem vestido! Pensou ela.
_ Pois não, senhor…
_ Me indicaram o seu nome, Marta. Eu estou precisando fazer algumas camisas e todos falam de você.
_ Que bom – ela gostou do elogio. – Você não quer entrar? – convidou ela.
_ Com certeza – ele sorriu.
Entraram em casa e Marta queria saber como seriam as camisas que o homem queria. Ela tinha dúvidas se ele falou o nome dele antes de entrarem em casa. Ela se sentiu incomodada na frente daquele sujeito vestido com perfeição. Parecia que não havia uma costura fora do lugar, um amassado, um fio de linha fora do lugar. Ela sentiu um cheiro estranho quando ele entrou. Acostumou-se ao cheiro de enxofre e tratou de ser profissional. Ao se aproximar do inglês para tirar uma medida, sentiu que a pele por baixo da camisa era muito quente. Aquilo não poderia ser febre. Ela pousou a mão nas costas dele e percebeu que aquele calor não era normal para um ser humano. Nesse momento, ela tirou a mão assustada e se afastou dele. Olhou para o ser à sua frente e viu os olhos vermelhos iluminando a sala. O rosto daquele demônio de quase dois metros e meio de altura, era negro assim como todo o corpo de grandes proporções que ostentava ainda um par de cascos de bode e uma cauda reptiliana que não parava de se mexer. Ela estava apavorada. Não conseguia nem respirar direito e, ainda sem saber o que fazer, foi abraçada por aqueles braços enormes que ao tocarem na sua pele provocaram queimaduras. Ela estava desesperada e sem voz para gritar por ajuda. O ser das trevas a envolveu com seu corpo provocando imensa dor. Ela estava perdendo a consciência quando ele a matou enfiando a ponta fina e dura da sua cauda no coração da costureira famosa no bairro. Permaneceu envolvendo o corpo sem vida no seu por alguns minutos, depois colocou-o no sofá da sala onde estavam e deixou a casa com o terno verde sem um amassado, nada fora do lugar. Nem o cabelo estava despenteado. Deixou a porta aberta para que algum vizinho encontrasse o corpo cheio de queimaduras e com o buraco no peito.
Mais tarde, uma vizinha achou estranho a porta de Marta estar aberta à noite e entrou para avisar a amiga do perigo de algum ladrão. Ela sentiu o cheiro forte de enxofre no mesmo momento em que viu o corpo sem vida da mulher. Susto, grito, em pouco tempo outros vizinhos chegaram e ligaram para Augusto.
_ Vá resolver isso, rapaz – ordenou Estêvão quando soube o que aconteceu.
Quando voltou para seu escritório, Estevão já esperava pela visita.
_ Por que você matou a mãe do meu funcionário? – perguntou ele.
_ Para avisá-lo de que não pode fazer nada contra mim. Ele anda observando você e rezando pelos cantos – disse o inglês elegantemente vestido. – Ele não voltará, ou se voltar, você deve demiti-lo.
_ Por que isso? – perguntou Estêvão com um copo de uísque na mão.
_ Porque eu mando aqui – disse o inglês de olhos vermelhos flamejantes. – E por enquanto, você é meu. Você está sob minhas ordens.
_ Até quando? – perguntou Estevão desanimado.
_ Para sempre, meu caro – ele riu alto. – Para sempre!
Desapareceu na escuridão e Estêvão sentiu dor no estômago. Ele precisava se alimentar.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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