A VINGANÇA – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

A VINGANÇA

Todo dia ele entrava na empresa e ela estava parada no saguão olhando pra ele. Guilherme Damasceno, dono de uma grande empresa de construção civil, passava pela gorda e desprovida de beleza que era sua secretária há dois anos e se limitava a dar bom dia e depois rir e comentar com seus funcionários mais chegados:

_ Socorro, aquela gorda quer me comer.

Todos riam da pobre moça e ela sabia que eles riam dela. Mas ela amava o patrão. Ela, aliás, morria de tesão e desejos pelo homem elegante e sempre bem vestido que ela via todo dia e com quem sonhava toda noite. Ela sabia que aquele ricaço não lhe daria confiança, mas cada vez que o via, sonhava de estar entre seus braços e, principalmente, entre suas pernas. Sonhava em.ser possuída por aquele deus de quase dois metros de altura, cabelos castanho e soltos ao vento e o que mais a deliciava eram os olhos azuis e profundos e aquela boca voluptuosa.

Dia após dia, ele entrava ela sorria, ele ria dela, todos riam dela e ela sofria e ela amava ainda mais e ela desejava e ela odiava e ela sonhava com o corpo malhado do patrão e ela o odiava e ela queria comê-lo.

Certo dia, Guilherme entrou e deu bom dia e ela sorriu e olhou pra ele. Ele olhou pra ela e lhe perguntou:

_ Está tudo bem?

_ Está sim, senhor – Marilene titubeou. – Está sim. E o senhor?

_ Sempre bem – respondeu ele com soberba. – Você é casada?

_ Não, senhor – ela assustou-se com a pergunta.

_ Certo! – ele se aproximou mais e lhe disse: – Eu quero que fique bem claro que eu não estou interessado na senhora. Não faz o meu tipo e nunca teremos nenhum tipo de relacionamento.

_ Senhor…. – tentou argumentar ela, – eu… eu…

_ Só pra ficar claro! – ele saiu de perto e entrou na sua sala.

Ela desabou. Não iria chorar no trabalho. Não iria deixar que ninguém visse ou soubesse da sua decepção e da sua dor. Esperou até o fim do turno. Foi para sua casa quase sem ver por onde andava e nem se alimentou naquele dia. Estava somente com o café da manhã, mas o ódio a alimentava. Ela deitou-se e chorou até às cinco horas da manhã. Quando ouviu os primeiros galos dos vizinhos cantarem, ela estava refeita. Exalava todo ódio que poderia estar contido em um ser humano.

Tomou banho. Vestiu-se para o trabalho e lembrou-se de comer alguma coisa. O fato de pensar na palavra “comer” a fez lembrar da crueldade do patrão sobre ela. Ela riu. Um riso triste, mas riu.

Chegou na empresa no horário normal e quando chegou à sua mesa havia um recado para que ela se dirigisse ao setor de Relações Humanas da empresa. Imaginou-se demitida, mas não se deixaria abater. Levantou o rosto e se dirigiu ao setor.

Ao sair da sala onde fora, Marilene voltou à sua mesa, recolheu todos os objetos pessoais e nem se despediu dos colegas de sala: ela foi transferida para uma filial afastada da matriz onde trabalhava há dez anos. A filial era na periferia da cidade. Era praticamente o depósito da firma. Ela iria chefiar o setor de compra e venda da mercadoria, mas a mais de dez quilômetros de distância do chefe amado.

Ela mesma nunca havia ido até lá. Mas com o novo propósito de vida, ela não iria se importar.

Guilherme se sentiu em paz ao ver que nao tinha mais aquela gorda, mal amada que queria comê-lo. Se divertiu com os mais chegados e esqueceu que Marilene existia.

Guilherme tinha trinta e oito anos, era solteiro e dono de uma fortuna invejável. Herdara do pai a empresa e antes que o pai viesse a falecer há mais de quinze anos, já havia dobrado os lucros e expandido para mais duas filiais na cidade, outra em Cabo Frio e outra em Caxias, ambas no estado do Rio de Janeiro.

Dono de um corpo invejável, era praticante de musculação e vôlei que jogava duas vezes por semana. Um homem lindo e rico como ele não poderia passar despercebido e, por isso mesmo, ele vivia na alta sociedade da cidade e cercado de mulheres bonitas. Muitas passaram pela sua vida e pela sua cama rapidamente, poucas demoraram um pouco mais de um mês. Ele nunca se deixou amar ninguém. Era amado por muitas que sofriam de amor há anos. Houve até duas moças lindas e ricas da cidade que tentaram suicídio por serem abandonadas pelo garanhão. Ele passava, ele olhava a mulher que o interessava, ele usava, ele descartava na mesma facilidade com que trocava a meia ou a cueca todos os dias. Não deixava de participar de festas importantes da cidade.

Em uma dessas festas, viu uma mulher que não conhecia. Nunca a vira na sociedade e ela o atraía. Estava bem vestida, um tubinho curto demonstrava as curvas da mulher que todo homem desejava. Cabelos loiros e soltos até o meio das costas completavam a elegância da moça.

Ele se aproximou. Fez-se notar e iniciou uma conversa:

_ Nunca vi você por aqui.

_ Eu estou morando em Juiz de Fora há pouco tempo – respondeu ela sorrindo.

Os dentes brancos iluminaram aquele rosto de pele clara e olhos verde.

Ele ficou interessado. Sentou-se excitar. Queria aquela mulher naquela noite.

Ficaram juntos e Guilherme cobriu a moça de elogios e delicadezas. Ao final da festa, ofereceu-lhe uma carona e a levou em.casa.

Aceitou o convite para tomar um café e acabaram na cama.

Ele estava satisfeito e suado pelo sexo intenso e ela sorria para ele. Ele sorriu também. Foi uma transa incrível. Ele era insuperável no sexo, mas ela era a parceira ideal.

_ Um uísque? – perguntou ela.

_ Sim – concordou ele, – pra encerrar a noite.

Ela trouxe dois copos com gelo, serviu uma dose de Ballantines a ele e a si mesma. Levou o copo com a bebida aos lábios e o viu beber a sua dose em dois goles. Ela o olhava intensamente. Ele a via deslumbrado e aos poucos embaçado, quase sem ver e caiu deitado nos lençóis brancos de fios egípcios.

Acordou horas depois amarrado na cama. Assustou-se tentou soltar-se, mas quanto mais lutava contra as cordas que o mantinham preso, mais se prendia. Observou o quarto, a cama de lençóis brancos era o único móvel do cômodo, havia cortinas brancas em quase todas as paredes. Ele tentou se levantar, mas viu que seu tórax também estava contido naquela cama.

Ele gritou! Gritou por socorro e gritou um monte de palavrões. Queria, melhor, ordenava que alguém entrasse ali e o libertasse. O tempo passava e ele continuava ali nu e amarrado naquela cama pelos pulsos, tornozelos e tórax. Não havia como se soltar.

Cansado, cochilou um pouco e voltou a gritar.

Ouviu passos e imaginou que seria a pessoa que estava brincando com ele. Era a brincadeira de mau gosto e ele iria destruir a pessoa que fazia isso com ele.

Ela entrou. A mulher linda da noite anterior entrou no quarto e sorriu pra ele.

_ O que você está fazendo? – perguntou ele com raiva. – Eu exijo que você me solte.

_ Exige? – perguntou ela rindo. – Você não está em condições de exigir nada, “doutor” Guilherme.

_ Como assim? – perguntou ele. – Quem é você?

_ Agora você quer saber?

_ Como assim? Quem é você?

_ Eu sou a gorda que queria te comer… Lembra? Sua funcionária de quem você ria todo dia e dizia que eu queria te comer.

_ Você?

_ Eu mesma! Você destruiu meu coração quando me humilhou na frente dos outros e me transferiu de empresa…

_ Mas você era…

_ Era gorda? Ela feia? Era muito ridícula para estar com você? Isso tudo tem jeito. Eu fui para a filial e nesses dois anos emagreci, fiquei bonita, fiquei rica.

_ Rica? – perguntou ele.

_ Sim – ela riu. – Você é tão idiota que nem percebeu o rombo nas suas contas: metade da sua empresa agora é minha.

_ Como assim? Você é uma desgraçada.

_ Você é cego, Guilherme. Só vê o que seu pau manda. E olha que, apesar de ter sido bom, satisfez meu desejo de sexo com você, não é dos melhores.  Até na hora de transar você só pensa em você mesmo.

_ Sua filha da puta – gritou ele. – Me solte aqui. Eu vou matar você.

_ Não vai não, “doutor”, mas eu vou comer você – disse ela exibindo uma faca longa e afiada que trazia nas mãos. Vou comer você. Pedaço por pedaço, depois jogo o resto para os cães.

_ Você não pode fazer isso – gritou ele suando frio. – Se me soltar eu não vou fazer nada com você. Eu prometo!

_ Não acredito – disse ela passando a faca no peito dele e deixando um risco de sangue. Passou a língua sujando-se de vermelho vivo e aproximou-se se seu rosto e cuspiu o sangue misturado à sua saliva na boca do homem que outrora amara. Ele tentou se esquivar, mas não conseguiu.

_ Eu vou comê-lo agora começando pelo seu bem mais precioso – olhou para o pênis do homem imobilizado e para a faca que tinha em mãos. Riu alto.

Do lado de fora da casa ouviu-se o grito de desespero e dor de Guilherme. Não havia vizinhos em um raio de mais de um quilômetro e ninguém ouviu a sequência de gritos e risadas.

Nunca ninguém soube do paradeiro de Guilherme Damasceno, mesmo com a busca intensa da polícia e os apelos de Mari que assumiu como sócia majoritária a empresa. Mari, Marilene, a gorda, comera o patrão e era atualmente a dona da empresa. Era respeitadíssima entre os empregados e depois de cinco anos do desaparecimento de Guilherme, mandou colocar uma placa em sua homenagem na entrada do prédio.

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Artur Laizo Escritor

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