“AI MEU DEUS, QUÊ ISSO?” – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

“AI MEU DEUS, QUÊ ISSO?”

 

– Eu não beijo mulher feia.

– Como é que é, meu amigo?

– É, cara, mulher feia comigo não tem vez. Eu até fico com umazinhas aqui ou ali, mas mulher feia…

– Mas o que tem beijar mulher feia?

– Você já imaginou? Acho que até o gosto do beijo é ruim.

– Ah, eu não ligo não.

– Quê isso, cara? Você já imaginou: ‘ sai com uma “dona” qualquer aí e se enfia em um bar. Todo mundo fica te olhando e olhando para ela que deve estar com aquela casa de “ai meu Deus, quê isso?”. Se você beijar o povo cai matando.

– Não é bem assim…

– Claro que é. Mulher feia é um negócio que tem que ‘tá no ponto. Aí a gente sai e aí é “duzentos beijo um cigarro e uma cerveja” e depois vem a continuação.

– Tudo bem…

– Mas se não tem os beijo, que é o início, como é que se continua?

– Sei lá! Nunca pensei nisso. ‘Cê lembra da Shirley?

– Cruz Credo! Aquele bicho feio? Nunca mais eu vi. Aquela ali nem pegar na mão. Mulher horrível. E os peito? Dava pra esconder da polícia ali atrás.

– É, mas…

– Você beijou ela.

– Beijei!

‘Cê tá doido? Eu acho que eu ia vomitar. Mas tudo bem.

– Você não pode falar assim dela não…

– Você é que é muito bonzinho. Eu me lembro dela na escola: saia comprida que nem da roça.

– Roceira ela era. Capiau de tudo.

– E ela tinha cara de “ai meu Deus, quê isso?”!

– Tinha? Acho que ainda tem.

– E os cabelo dela, menino, que que era aquilo?

– Parecia “corda de bacalhau” trançada.

– Ela era muito feia. Ela eu não beijava de jeito nenhum.

– É…

– Você beijou!

– Beijei.

– E foi ruim?

– Não!

– Mas ela era feia.

– Ela é feia.

– Mas então o beijo é ruim?

– Não!

– Vai me dizer que gostou?

– Vou!

– Você é louco. Imagina beijar mulher feia…

– Deixa disso, cara…

– Eu? Eu não tenho nada com isso não.

– Acho bom mesmo.

– Mas você beijou. O povo sabe disso?

– Acho que sim. Com certeza.

– Cara, ‘cê “tá n’água”. Vão te gozar o resto da vida.

– Me gozar? Por causa da Shirley?

– Claro, ela é muito feia.

– Também não é assim…

– Claro que é. Não defende porque você beijou, não.

– Não estou defendendo, não. Ela não é tão feia.

– Ah, não! A fome da Nigéria também é linda.

– Cara, você está agredindo a Shirley.

– E você está cheio de dedos com aquela feia. Feia mesmo.

– Feia ou não ela é legal.

– Legal? Legal pode ser, mas é feia.

– Isso não interessa. Coitada!

– Coitada? É, coitada. Gente feia dá pena. Ainda mais feia peituda.

– Cara, que horror. Ela mudou muito.

– Mudou? Fez plástica? Acho que nem o Pitanguy resolveria.

– Mudou, cara.

‘Cê ‘tá falando tanto. Tem visto a Shirley?

– Claro! Eu me casei com ela.]

– Mas ela está tão bem atualmente, né mesmo??

 

Maloca Querida, 1998:53-6.

 

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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