CONVERSA NO RESTAURANTE – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

CONVERSA NO RESTAURANTE

O PACTO – TERCEIRO CAPÍTULO

Cinco anos se passaram desde a morte do seu pai. Estêvão morava no imenso casarão do pai e com o dinheiro da venda da sua casa, investiu em um restaurante de comida chinesa e se tornou milionário. O perfil do empresário agora era de um homem muito rico e com muitas possibilidades de se tornar ainda mais rico. O dinheiro aparecia em sua vida de onde ele nem sonhava.
A mulher estava satisfeita com o luxo que nunca houvera usufruído e as crianças iam bem. Marcelo, o filho do meio que era doente e pelo qual gastavam muito, estava saudável e muito forte. Estava na faculdade de Educação Física e era um atleta com vários prêmios em competições. Jorge e Márcio estudaram em ótimos colégios. Jorge cursava Administração de Empresas enquanto Márcio acabava o ensino médio.
Estêvão não tinha mais tempo de cuidar da família. Estava o tempo todo às voltas com compras para os restaurantes e com a administração de mais de cem funcionários.
A mulher começava a sentir a sua falta no dia a dia da família e ele sempre dizia que isso iria ser resolvido.
Uma noite, ele estava sozinho no escritório do restaurante principal e recebeu uma visita.
Bateram à porta e ele não quis atender porque não conversava com qualquer pessoa. Seus empregados estavam todos orientados que não se dirigissem à ele ou não deixassem quem quer que seja se aproximar do patrão. Diziam que ele não gostava de gente e outros diziam que ele era um ser das trevas e amaldiçoaria a quem dele se aproximasse.
Ele ouviu novamente a batida insistente na porta e quando pensou em se levantar para brigar com quem quer que fosse, a porta foi arrancada do batente e caiu dentro da sala. Ele se assustou e viu à sua frente um conhecido inglês com quem conversou no cemitério há cinco anos.
_ Não quer me receber, Estêvão?
_ Eu não sabia que era você – respondeu ele. – O que você quer?
_ Seja mais educado, Estêvão – falou grosso o visitante. – Afinal eu sou o responsável pela sua vida atual. Tudo que você tem, deve a mim.
_ Claro que não! – exaltou-se Estêvão.
_ Claro que sim – repetiu-se o lorde. – Seu filho está bem?
_ Está sim – respondeu o dono dos restaurantes lembrando-se da doença e cura do filho do meio. – Ele está muito bem!
_ Graças a mim – explicou o homem. – Você está rico, não é, Estevao?
_ Estou bem de vida – disse ele sem ênfase na voz.
_ Eu sei. Seus restaurantes lhe rendem uma boa grana. Eu fiz o seu sucesso, rapaz.
_ Não! Eu tive dinheiro com a venda da minha casa, depois que meu pai morreu…
_ Por que será que ele morreu? – perguntou o interlocutor com olhos brilhantes. – Você acha mesmo que seu pai se suicidaria?
_ Não, claro que não – respondeu ele exaltado.
_ Era meu pagamento na época, Estêvão. A alma de seu pai em troca da saúde de seu filho.
_ Você não pode ter feito isso – exclamou Estêvão quase gritando.
_ Eu fiz isso, rapaz. Você fez um pacto comigo e eu estou ajudando você. Você está com sua família feliz e rico…
_ Mas não a esse preço – quase chorava ele incrédulo. – Você não pode ter feito isso.
_ Eu fiz, Estêvão. Eu fiz. Fizemos um pacto na sua cozinha naquela manhã. Eu lhe prometi ajudar e você repetiu para mim que faria qualquer coisa para resolver sua vida.
_ Eu precisava de ajuda – ele deixou escorrer uma lágrima pelo rosto. – Eu precisava de ajuda!
_ Eu sei – sorriu o homem bem vestido sentado à sua frente. – Estou aqui para lhe propor outro pacto.
O silêncio reinava na casa de Estêvão. Sua mulher e filhos não estavam em casa. Os meninos tinham trabalho nas escolas e Selma acabou se atrasando em reunião de trabalho.
A cuidadora da mãe de Estêvão precisava deixar o trabalho e a mulher que dormia com a velha senhora ainda não chegara. A empregada do dia telefonou para Selma e a voz que falou com ela pelo celular lhe disse para ir embora que já estava a uma quadra de casa. Ela poderia deixar a velha sozinha alguns minutos. A empregada, cuidadosa, ainda olhou a velha imóvel na cama – ela não deixava o leito há dois anos – e pesarosa saiu do quarto deixando a porta entreaberta e uma luz fraca acesa para conforto da doente.
Pouco tempo depois que a cuidadora saiu pelo portão da frente e o trancou, a mãe de Estêvão abriu os olhos. Parecia estar desperta, embora os olhos baços e cinza pela catarata nada viam. Ela se sentou no leito com uma força e agilidade que não possuía mais e com essa mesma força estranha pôs-se de pé. Não parecia que era ela quem comandava os passos que seu corpo davam. Ela andava lentamente em direção à cozinha. O caminho era longo e o corpo velho e atrofiado de anos na cama não pareciam se entender. Por ora parecia que iria cair, mas a força que a impulsionava para frente a levava mais e mais. Enfim a cozinha! Lugar onde ela adorava passar seus dias cozinhando para seus filhos e netos. Lugar onde ela se sentia muito bem. Era ali o seu lugar preferido na casa. Ela entrou na cozinha escura, não acendeu uma lâmpada, não precisava, ela não via nada e quem a trazia até ali, não precisava de luz terrena para enxergar. A velha abriu uma gaveta. Ela sabia o que estava procurando. Encontrou uma faca afiada, de corte preciso e ainda a levantou como se observasse o fio. Olhou em frente e o viu rindo para ela. O ser escuro exalando cheiro de enxofre à sua frente estendia-lhe a mão e ela entendeu o que deveria fazer. Estava lúcida nessa hora. Em um ato de extrema rapidez, virou a faca em direção ao peito e caiu sobre ela. Um fio de sangue de início tímido que se intensificou de repente, inundou a cozinha de vermelho. O líquido viscoso saiu do corpo para o chão de mármore e a sua alma, de mãos dadas com aquele que a incentivou a se matar, tomou o caminho oposto desaparecendo na escuridão.
Selma chegou em casa junto com a mulher que iria dormir com a sogra. Ela esperava encontrar a funcionária do dia. Não falava com ela há uma semana e precisava saber informações da velha doente.
A casa estava escura e a mulher sentiu novamente o cheiro de enxofre que sentira em sua cozinha no dia da morte do sogro. Ela sabia que não era um bom presságio.
O telefone celular tocou em seu bolso e era a moça do interior que trabalhava de cuidadora durante o dia.
_ Dona Selma, a senhora encontrou tudo certo aí? – perguntou.
_ Onde você está, Aparecida? – perguntou a mulher.
_ Uai, eu falei com a senhora há duas horas atrás e a senhora disse que eu podia ir embora que já estava chegando – explicou a moça. – Eu tinha que comprar um remédio para a minha mãe.
_ Eu não falei com você, Aparecida – disse Selma preocupada indo em direção ao quarto da doente e entrando ao mesmo tempo que Júlia, a moça que iria dormir. – Onde está minha sogra?
_ Deixei ela deitada – explicou Aparecida também nervosa.
Selma deixou de responder ao celular e foi procurar pela casa. Ela e Júlia encontraram a idosa deitada em uma poça de sangue com uma faca enfiada no coração. Ela não teria forças para chegar até ali. Ela chegou até ali. Ela se matou com uma faca de cozinha. O sogro se suicidou. A sogra se suicidou. Ambos estariam no inferno. O céu não aceita suicidas.
Selma, sem tocar no cadáver, depois do grito de susto e do pranto de Julia, contou à Aparecida o que viu na cozinha e ligou para o marido.
Estêvão estava parado no escritório sem ação. Estava mergulhado em um bafo quente de enxofre ao qual ele já se acostumara. Estava sozinho. O telefone o tirou do transe, mas ele já sabia o que era a notícia que iria receber.
_ Eu vou pra casa, meu bem. Chame a polícia – pediu ele depois que a esposa lhe disse o que aconteceu em sua casa.
Ele estava pagando dívidas do pacto que havia feito. Ele estava em um caminho sem volta.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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