ESPERANÇA – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

ESPERANÇA

 

O corpo moribundo, respirando por meio de aparelhos, ainda mantinha presa a alma que pensava já em unir-se a outras nos planos invisíveis. Os olhos baços, a pele ressequida, o coração sem vontade de bater, o ar que já não filtrava nos alvéolos mesmo empurrado pelo ventilador aos pulmões… O corpo se consumia na UTI.

E na hora da visita, a filha entrou e chamou por ele. Passou a mão pela sua testa suada e chamou por ele. Descobriu um pouco o seu corpo, quase uma ossada e chamou por ele… Conversou com ele. Falou do tempo. Falou da casa. Falou da mãe… Estavam sozinhas as duas esperando que ele voltasse para casa. Sentiam muito a falta que ele fazia e queriam a todo custo que ele estivesse lá.

– Você vai voltar, não vai, pai? – perguntou-lhe alto a filha que segurava a mão do moribundo.

E o doente apático, coma grau três, respiração mecânica, tubos e mais tubos enfiados por quase todos os seus orifícios, continuava a consumir-se deitado naquele leito.

A moça, filha única do velho canceroso, vendo de longe o médico de plantão, aproximou-se e sorrindo perguntou:

– Ele melhorou, doutor?

– Não – respondeu o médico procurando ajuda-la a entender, – continua na mesma.

– Mas ele tem chance? – voltou a moça com um sorriso.

– Sim e não – respondeu o médico. – Você sabe o que ele tem?

– Mais ou menos – responde a filha.

– Ele está grave. Muito grave – disse o médico.

– E quantos dias o senhor acha que ele ainda fica aqui n UTI?

– Não sei! – responde o médico. – Ele pode…

– Ter alta brevemente – interrompeu ela o que o médico iria dizer, talvez pensando no óbito.

– Talvez…

– Ele está entendendo quando eu falo com ele? – perguntou ela.

– Acho que não – responde o médico.

– Mas ele vai ficar bom – disse ela enfática e saiu.

Não, não vai! pensa o médico. Não há como livra-lo do câncer que corroeu sua próstata e agora destrói seus pulmões e cérebro. Não há mais chances. O médico sabia que o óbito seria o próximo estágio daquele doente, mas o que fazer com a pobre e leiga filha? Dizer-lhe a mais pura verdade? Endurecer o seu coração jovem como a vida e a medicina endureceram o seu? Deixar que ela ainda tivesse esperanças e sonhasse com o retorno do pai para casa?

Simplesmente ele não sabia o que era mais certo. Gostaria muito que as pessoas compreendessem que a máquina humana envelhece. Estraga-se com o tempo e com as coisas erradas que se faz com ela. Não tem como trocar peças… A máquina morre!

Mas sempre há esperanças!

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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