KLAUSS – O SUPER HUMANO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

KLAUSS – O SUPER HUMANO

Muita poeira, muito pó de várias espécies, muita pedra, muitos escombros, muita dor, muita destruição.

O cenário era de ruínas e nada estava no seu lugar. Casas, prédios e qualquer tipo de construção estavam destruídos pelo imenso abalo do último terremoto que acontecera em Kaunani, aquele pequeno país do Pacífico Sul.

Na noite que sucedeu ao grande cataclismo, a população local vivia sua vida miserável normalmente. Homens e mulheres trabalhando para o sustendo da família e alimentação dos filhos, pobres cada dia mais pobres, ricos cada dia mais ricos, enfim, como em qualquer outro lugar a vida pacata daquele país continuava sem se importar com o resto do mundo e sem ser lembrada pelo resto do mundo que nem percebia sua existência.

De repente, sem um aviso prévio, aconteceu. O abalo começou pequeno, o tremor que poucos perceberam, mas não era normal naquele lugar terremotos e o pequeno tremor assustou quem estava acordado. Pânico? Em pouco tempo os abalos foram maiores e as casas mais simples começaram a cair, seguidas de construções maiores, nada ficou de pé trazendo destruição e morte a todos do lugar.

O dia amanheceu com uma imagem de desgraça e pó. Depois de tudo ruir, um silêncio imenso se instalou no local. Nada se mexia. Não haveria vida? Às vezes, um ou outro cão perdido latia, uivava de dor e o silêncio voltava a se instalar. O vento era outro componente da cena tosca e macabra. Todo o país de mais de vinte mil habitantes fora destruído pelo terremoto. O mar engolira as construções vizinhas às praias e, na manhã, voltara para seu lugar mostrando a desolação. Onde estariam os corpos das pessoas que viviam no lugar? Não havia nada.

À tarde, um grande avião do exército de Kaunani que estava em uma missão secreta aterrissou no aeroporto com grande dificuldade porque até mesmo a pista de pouso estava irregular. A porta da enorme aeronave se abriu e de dentro saiu primeiro o tenente Klauss Stiger. O homem de quase dois metros de altura era branco, quase transparente, com enormes cabelos ruivos que voavam ao vento macabro do país. Ele olhou para a imagem do horror que tinha a sua frente e ordenou que seus homens descessem e procurassem por vida no local. O motor do avião foi desligado e o silêncio voltou a reinar. Klauss tirou os óculos escuros e aguçou sua visão. Era um militar que fora treinado para agir em condições como aquela. Seu corpo trabalhado com uma musculatura perfeita era a demonstração de força e poder. Ele passara por uma alteração genética nos laboratórios do exército do país e desde então tinha poderes não dados a todos os seres humanos.

Em pouco tempo os dez militares que ocupavam o avião, incluindo o piloto e o copiloto, todos homens gigantes e fortes, estavam do lado de fora. Parados um ao lado do outro, observavam os escombros e perscrutavam o silêncio reinante. Todos os dez homens participaram da experiência genética que o governo fizera há anos. Passaram pela mutação genética cinquenta adolescentes caçados e presos nas ruas do país. O critério de escolha era que fossem saudáveis, praticantes de esportes e tivessem uma família que não perceberia depois a mudança. Das cinquenta cobaias que se submeteram a mutação genética, vinte e dois não sobreviveram mais de cinco anos e morreram de “causas naturais” como declarado no atestado pelo médico responsável pela experiência e dezoito deles não continuaram com o treinamento e lhes foi aplicada então uma medicação que os fez esquecer de tudo. Viviam normalmente suas vidas miseráveis sem nem perceber que tinham um corpo modificado e poderes extras. Provavelmente estariam mortos pelo terremoto. Apesar de a experiência ter sido feita em homens e mulheres, somente os dez homens que estavam no avião se tornaram militares e continuaram com a dedicação ao governo.

Klauss já era um líder nato e continuou comandando os outros em tantas missões do governo. O governo de Kaunani era corrupto e muitas vezes provocara chacinas e doenças dizimadoras em populações de países vizinhos. O poder do imperador era indiscutível e diziam até que ele tinha algum pacto com o demônio ou outra entidade da escuridão. Klauss fora designado para muitas dessas missões assassinas.

Os dez homens perscrutaram o ambiente e somente viam alguns animais vivos que devido aos ferimentos não resistiriam por muito tempo. Naquele espaço não havia humanos vivos. Mas onde estariam os corpos dos humanos mortos? Novamente a pergunta se fez.

_ Procurem por qualquer ser vivo que possamos salvar – ordenou Klauss.

O tenente não sabia o que acontecera ali, mas iria descobrir em breve. Ele poderia sentir a causa do terremoto. A origem do deslocamento das placas que fizeram a destruição começou embaixo de onde ele estava pisando naquele momento. Havia alguma coisa grande, uma enorme caixa de metal sob a terra onde ele pisava há muitos metros no fundo da terra. Ele conseguia ver a caixa e sabia que no seu interior havia material radioativo enterrado há mais de cem anos, logo depois da segunda grande guerra mundial. O material, grande quantidade de urânio, fora roubado do governo de um grande país europeu e como Kaunani não tinha como utiliza-lo na época, resolveu enterrar em um lugar onde poderia ser buscado quando precisasse. Mas para que precisar daquele material radioativo tão perigoso? Perguntou-se Klauss. Ele via que o resgate da caixa fora feito de forma bastante irregular e ao puxar a caixa, houve um deslizamento de terra, invasão de água do mar, a caixa se partiu e espalhou urânio para cima, para todo o país. Eles estavam em um lugar repleto de radiação e talvez, por isso mesmo, não havia humanos vivos, nem corpos.

Klauss sabia que ele e os seus homens não teriam problema com a radiação presente no local. Tinham defesa para mais essa agressão natural. Talvez até se fortalecessem com a radiação. Andaram mais um pouco, entrando na pequena floresta do país onde as árvores, a maioria caída, faziam sombra e amenizavam o calor.

Quanto mais entravam na área verde, mais ruídos e sons estranhos ouviam. Pareciam vozes. Será que havia ali humanos que se salvaram? Entraram mais depressa e encontraram vinte pessoas, a maioria mulheres se escondendo com medo do que estaria acontecendo. Klauss se apresentou como tenente do exército e Marjah apareceu primeiro. Era uma mulher linda de olhos verdes e cabelos negros. Deveria ter vinte e poucos anos. Klauss lhe perguntou o que ela vira da tragédia e ela respondeu:

_ Estávamos todos em nossas casas. O abalo começou por volta das dez horas da noite e nessa hora a maioria da população está dormindo. Não há muito o que se fazer nesse lugar. Eu estava ainda arrumando a cozinha do jantar quando minha casa começou a tremer e eu assustada acordei meu irmão que mora comigo e saímos de casa. O que vimos depois foi horrível. A terra tremia forte e crateras iam se abrindo e fechando e tudo caindo e as pessoas caindo nos buracos e todo mundo morrendo.

_ Como vocês conseguiram chegar até aqui? – perguntou Klauss.

­_ Correndo – respondeu Isis que também chegou ao grupo. – Jamais imaginei que pudesse correr com tanta rapidez. Aliás, todos nós.

Os outros refugiados da mata apareceram e Klauss percebeu que todos eles eram como ele mesmo: mutação genética. Eles eram os sobreviventes da experiência que não se prestaram ao treinamento para se tornarem super-homens do exército do governo. Isis era loira e tinha a mesma altura de Marjah. Aos poucos foram vendo todos os sobreviventes e todos eram pessoas altas, fortes e muito bonitas.

_ Você sabe o que aconteceu? – perguntou Josiah, um rapaz negro com uma musculatura desenvolvida e brilhante.

_ Um terremoto – enfatizou Klauss. – Não sei mais nada a não ser isso – mentiu ele.

_ Mas esse terremoto não foi previsto pelo governo, não teve relação com nada diferente? – perguntou Isis.

_ Não. Eu não sei o que houve – disse ríspido Klauss. – Precisamos nos unir e buscar mais sobreviventes. Não sei se há mais alguém nesse país que tenha sobrevivido.

_ Não há – afirmou Anthony, um rapaz branco de cabelos castanhos.

_ Não há – confirmou Klauss. – Eu sei! Mas ainda assim temos que limpar essa bagunça e agora somos só nós aqui.

_ E o que faremos? – perguntou Marjah.

_ Sigam-me – ordenou Klauss tomando a dianteira em direção ao lugar onde estava.

Saíram da floresta os trinta habitantes do país destruído e ao sol, Klauss pode observar as pessoas. Os sobreviventes estavam quase nus ou tinham as roupas rasgadas pela fuga desesperada. Eram pessoas lindas. Eram seis homens e quatorze mulheres com corpos perfeitos, força e poder que nem conheciam. Eles eram aqueles que, na experiência genética, tiveram suas memórias apagadas para não se lembrarem ao que foram submetidos. Viviam vidas de humanos normais, porém, eram super-especiais. Tinham a aparência de vinte anos, mas todos tinham, na realidade muito mais. Entre seus dons estava o de não envelhecer. Será que também seriam imortais? Sempre se perguntou isso, Klauss.

_ Por que será que nós sobrevivemos? – perguntou Anthony.

_ Porque nós somos especiais – começou o tenente. – Todos nós temos uma saúde diferente do resto da população. O tratamento que recebemos nos fez ficar mais fortes.

_ Que tratamento? – perguntou Isis assustada.

_ Nós tivemos as nossas células alterada por um tratamento especial do governo para virarmos super-soldados.

_ Que bobagem – riu-se Marjah. – Não somos soldados.

_ Vocês não! – enfatizou Klauss. – Vocês não, nós somos – mostrou os amigos militares. – Vocês na época não quiseram seguir os planos do governo.

_ E por isso não morremos? – perguntou Isis.

_ Sim! Por isso não morreremos nunca – Klauss foi incisivo ao afirmar isso e todos, inclusive os seus homens se assustaram.

_ Nunca? – perguntou o seu companheiro inseparável de tantas missões.

_ Não, Kleb. Nunca morreremos.

_ Então, temos que consertar esse país que é onde viveremos para sempre – mexeu-se Anthony. – Saberemos o que aconteceu algum dia?

_ Sim – afirmou um homem que aparentava pouco mais de sessenta anos. – Eu sou o doutor Nykolaj. Eu sou o responsável por tudo que vocês são e por tudo o que aconteceu aqui hoje.

_ Como assim? – perguntou Marjah.

_ Eu sou o responsável pelas pesquisas genéticas desse país há cento e vinte anos. Eu criei a mutação genética de vocês e do imperador. Ele foi o primeiro a utilizar a técnica de mutação genética e, portanto, se tornar imbatível e viver tantos anos.

_ Mas e o terremoto? O que aconteceu? – perguntou Klauss.

_ O imperador queria usar o urânio que estava na caixa blindada no interior da terra. Escondido há cento e cinquenta anos.

_ Cento e cinquenta anos?

_ Sim, o urânio foi roubado do governo europeu, na época da segunda grande guerra, no meio do século passado – explicou o médico. – Para que não houvesse acidentes e como não iríamos usar naquela época, eu sugeri que ele fosse escondido no interior da terra.

_ O senhor está dizendo que o senhor tem mais de cem anos? – perguntou um soldado.

_ Você também, soldado. Eu realizei a mutação genética de vocês em 1970. Estamos no ano de 2087. Você tinha dezoito anos, portanto está com 135 anos de idade – explicou o médico.

_ Isso é loucura! – gritou Joseph um dos sobreviventes.

­_ É realmente uma loucura. O terremoto foi a minha tentativa de parar com o desmando do imperador e acabar de vez com tanto despotismo. Ele nesses cento e poucos anos de governo já aniquilou nações, já iniciou guerras em outras tantas e continuaria incólume se alguma coisa não o parasse – desabafou o médico.

_ E onde ele está agora? – perguntou Klauss.

_ Está morto – respondeu o médico. – Eu o matei quando o palácio real caiu sobre nós, ele ficou preso sob uma pilastra do salão principal e estava perdendo muito sangue de uma ferida na perna esquerda. Ele, certamente, sobreviveria se eu fizesse alguma coisa a tempo, mas ao contrário disso, eu lhe apliquei uma droga que acelerou o processo de sangramento e abreviou sua vida. Ele está morto!

_ Mas e agora? – perguntou Klauss. – O que faremos?

_ Vocês devem repovoar o país – afirmou o médico. – Mas lembrem-se: vocês são geneticamente modificados e vão viver para sempre. Poderão ter filhos normais ou quem sabe, super-homens. Vocês agora são uma raça diferente do resto do mundo.

_ Mas e o mundo? – perguntou Anthony.

_ O mundo não conhece vocês e vocês não precisam se expor ao mundo atual. Apenas refaçam as vidas de vocês. Juntem-se, tenham filhos, façam com que Kaunani volte a ser um país – disse o médico. – Façam um país sem tirania, sem corrupção, sem crimes e sem crueldade.

_ E o senhor, doutor? – perguntou Marjah.

_ Eu estou morrendo também. Tomei uma medicação que não tardará a fazer efeito e como os outros corpos dos moradores de Kaunani, eu desaparecerei no vento – sorriu o médico. – Ao liberar o urânio que estava na caixa, havia também uma substância para evitar roubos, que também foi liberada. Essa substância, criada por mim no laboratório, desfez os corpos mortos de todos os habitantes que não foram modificados – explicou o médico. – Somente devido à mutação genética vocês sobreviveram.

_ Mas o senhor também foi modificado – afirmou mais que perguntou Isis.

_ Sim. Mas tomei minhas providências e com meus conhecimentos vou morrer e virar pó em instantes.

O médico saiu andando e em pouco tempo caiu morto. Os kaunanianos olharam sem saber o que fazer e em poucos instantes o corpo do velho começou a virar pó e desintegrar. Não havia mais nada que roupas quando chegaram perto.

_ Agora somos só nós mesmos – afirmou Klauss. – Vamos limpar essa bagunça.

_ Vamos – concordaram todos.

Kaunani continuou isolado do mundo por mais cem anos. Não havia interesse do mundo em uma ilha devastada por um terremoto no Pacífico Sul e cheia de radiação e os super-humanos que habitaram a ilha em breve repovoaram o país e consertaram todo o estrago. Klauss continuará reinando por muitos e muitos anos ao lado de Marjah e filhos.

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Artur Laizo Escritor

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