MORTE NA RUA BRÁS BERNARDINO – 5º CAPÍTULO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

MORTE NA RUA BRÁS BERNARDINO – 5º CAPÍTULO

Sueli Mattos e Maria Antônia Mattos chegaram juntas à delegacia. Mãe e filha estavam incomodadas de estarem em um lugar que julgavam não ser próprio para “mulher direita” como afirmava sempre a mulher de sessenta e cinco anos. Achavam ambas que delegacia, quartel eram lugares para homens – e a maioria um bando de sem-vergonhas – e as mulheres que frequentavam esses lugares, todas, eram prostitutas, palavra que ela se recusava a dizer, preferia “mulher de vida fácil”. Como se fosse mesmo fácil se prostituir, tanto homem quanto mulher.
Maria Antônia entrou primeiro. Sentou-se à frente do tenente e reclamou que não saía de casa há muito tempo e somente uma situação dessas poderia fazer com que ela tivesse que se deslocar por essas ruas cheias de gente e de carros e de motos e de muitas coisas ruins.
_ Só porque morreu uma “zinha” aí, eu tenho que sair de casa – disse ela ao tenente. – Sair de casa é um sacrifício para mim. Nem roupa eu tenho.
_ A senhora conhecia a vítima? – perguntou direto o militar.
_ Claro que não, Tenente. Eu não me dou com essa gentalha – desdenhou ela. – Nunca nem vi ela.
_ Não chegou a vê-la pelo menos uma vez?
_ Não, senhor. Eu não saio de casa e nem abro a minha porta. Minha filha é que sai para trabalhar e comprar as coisa que a gente precisa. Mesmo assim, minha filha é muito séria e de respeito, não iria conhecer essa pessoa – novamente o escárnio.
_ A senhora fala como se soubesse alguma coisa do caráter da vítima…
_ Boatos correm, né, Tenente. Deus seja louvado! Mas boatos correm e mesmo quem não sai de casa, como eu, tem gente que vai à sua casa contar coisa, fazer fofoca – disse ela com expressão angelical como se fosse também uma vítima da maledicência alheia.
_ E o que lhe disseram, dona Maria? – perguntou Gilberto.
_ Que ela era “da pá virada*”. Gostava de um rapazinho mais novo que ela. Acho que é por isso que ela morava no prédio, sempre cheio de estudantes novos – ela disse com maldade e piscou o olho esquerdo para o militar a sua frente.
_ Que coisa, dona Maria! – entrou no clima Gilberto. – Então as coisas eram assim com ela?
_ Pior, Tenente. Dizem que ela tinha um marido na cidade dela e ele a expulsou de casa depois que pegou ela com o irmão dele na cama – a mulher quase cochichou para falar isso.
_ Verdade, dona Maria? Que coisa! A senhora saberia me dizer o nome do marido dela? – jogou verde ele.
_ Não sei não! Eram de outra cidade – ela se sentiu infeliz de não poder dar o serviço completo.
_ Eu tenho que perguntar a todos: A senhora matou a Fátima?
_ Deus me livre disso, Tenente! Em nome de Jesus! Que ideia! Eu e minha filha somos evangélicas, temente a Deus, jamais fazemos mal a quem quer que seja – disse ela convicta.
_ Tudo bem, dona Maria. Tudo bem.
Ele a liberou pensando: Será que ela acha que falar mal e caluniar as pessoas não seja fazer o mal? Ela nunca faz mal a ninguém? Só tem uma língua ferina das melhores. Vamos ver o que a filha tem a acrescentar.
Sueli Mattos, quarenta e três anos, funcionária da prefeitura de Juiz de Fora, estava assustada de entrar na sala do tenente Gilberto sozinha. Para ela todos os militares eram uns garanhões sem-vergonhas. Ela, no fundo, torcia para que um deles – adorava fardas – lhe roubasse o coração e se casasse com ela. Nas noites de insônia, enquanto a mãe roncava, ela sonhava com o militar que aplacaria os seus desejos sexuais escondidos atrás da fachada de mulher puritana. Passara da idade de se casar, também segundo a mãe, mas ela não perdia a esperança de se casar e deixar de ser virgem. Ela queria muito um homem que cuidasse dela, lhe desse amor, sexo, carinho e até mesmo umas “porradas” de vez em quando.
_ Senhorita Sueli – começou o tenente, – você conhecia a vítima?
_ Em nome de Jesus, Tenente, não. Não conhecia não, senhor – respondeu ela também achando estranho ser chamada de “senhorita”.
_ Nunca teve contato algum com a vítima?
_ Nunca, Tenente. Ela morava no sexto andar e eu moro com a minha mãe no apartamento duzentos e seis – explicou ela. – Eu costumo até descer de escadas para não encontrar com ninguém.
_ Mesmo, Sueli, mas por quê?
_ Por quê o quê? – perguntou ela.
_ Por que descer de escadas para não encontrar ninguém?
_ Porque eu não gosto das pessoas do prédio. Misericórdia! Minha mãe diz que são todos um bando de perdidos e pecadores – respondeu ela acelerada.
_ Perdidos e pecadores… A senhorita também acha que é assim? – perguntou ele bem perspicaz.
_ Acho sim, senhor. Em nome de Jesus! – repetiu ela. – As pessoas hoje em dia, não são mais tementes de Deus. E lugar que tem uma mulher como a que morreu e muito jovem, é sempre um lugar perdido – ela se benzeu. – Misericórdia!
_ Uma mulher como a que morreu… O que a senhorita – ele forçava o “senhorita” porque sabia que a incomodava – tem a me dizer da vítima?
_ Uai, Tenente. Eu sei o que todo mundo diz.
_ E o que dizem? – perguntou ele de imediato.
_ Que ela não era uma moça direita – ela se benzeu de novo. – Misericórdia! Ela tinha muitos “namorados” – ela reforçou a palavra namorados como se não fosse namorado o que queria dizer.
_ Muitos namorados… A senhorita não gostava dela?
_ Não, senhor… Quer dizer… Eu nem conhecia ela direito, como poderia não gostar ou gostar? – ela deu de ombros.
_ Mas preferia que ela não morasse ali no meio de vocês…
_ Claro que preferia, né, Tenente. Onde já se viu, tem família naquele prédio… Deus me livre! Em nome de Jesus!
_ A senhorita matou a Fátima? – perguntou ele de supetão.
_ Claro que não, Tenente. Misericórdia! – ela começou a chorar. – Deus me livre de fazer uma coisa dessas. Deus não permite que a gente mate ninguém não. Em nome de Jesus, eu não matei não.
_ Tudo bem, Sueli. Eu tenho que perguntar a todos mesmo.
_ O que a senhorita fez ontem à noite?
_ Como toda noite, ajudei a minha mãe a se deitar – ela se deita cedo. Depois, tomei um Clonazepam e fui para minha cama. Acho que nem consegui acabar de orar. Jesus que me perdoe! – disse tudo ainda chorando.
Ela continuou chorando por poucos segundos, aceitou o guardanapo de papel que ele lhe ofereceu e saiu ao encontro da mãe. Pretendia nunca mais por os pés naquele lugar.
Mais uma que fala mal das pessoas, odeia os que são diferentes e prega em nome de Jesus se dizendo a melhor pessoa do mundo. Ela, pelo visto, odiava a vítima e queria que ela não morasse naquele prédio. Ela disse cheio de famílias, mas só havia três famílias, o casal de velhos do seiscentos e seis, o casal de professores do quinhentos e seis e ela e a mãe no duzentos e seis, coincidência ou não, as famílias moravam em apartamentos terminados em seis. Provavelmente, ela também não gostava do casal gay e achava que eles eram a aberração maior do prédio. Os outros apartamentos eram de estudantes ou pessoas sozinhas. Ela teria motivos para matar a vítima? Teria força para jogá-la pela janela? Será que a sua religião poderia causar tanto ódio a ponto de matar? Mais uma mulher que toma Clonazepam para dormir. Será que é mesmo tão bom assim dormir? Ele riu.

* Houaiss 2003 – diz-se do que é buliçoso, brincalhão ou desordeiro, turbulento ou licencioso, debochado .

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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