MORTE NA RUA BRÁS BERNARDINO – 7º CAPÍTULO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

MORTE NA RUA BRÁS BERNARDINO – 7º CAPÍTULO

Faltavam ainda moradores de dois apartamentos. Gilberto já estava cansado de ouvir as mesmas lengalengas de que não gostavam da vítima ou “gostavam” muito. Não tinha muita informação, mas o que tinha já estava ajudando bastante para que ele desenvolvesse um caminho na descoberta do assassino.
A próxima a entrar foi Sislene de Freitas, vinte e quatro anos, muito bem vestida, parecia uma modelo de passarela. A moça era magra e os longos cabelos pretos faziam com que ela se sobressaísse onde quer que estivesse. Ela entrou na sala do Tenente Gilberto e se sentou à sua frente como ele lhe indicara de fazer. A maquiagem discreta da bela mulher e os olhos grandes e negros chamaram a atenção do militar que era solteiro por opção, mas que gostava muito de mulheres bonitas.
_ Senhorita Sislene – começou ele, – houve um assassinato no seu edifício essa madrugada. O que a senhorita pode me dizer da vítima?
_ Não muito, Tenente – respondeu ela. Fátima e eu não tínhamos um relacionamento de amizade. Eu a conhecia e trocávamos informações sobre moda. Uma vez ou outra elogiamos o vestido, ou a blusa da outra, nada que não fosse apenas, trocas de gentilezas entre duas mulheres. A gente se encontrava uma ou duas vezes por semana no elevador.
_ A senhorita mora no apartamento quinhentos e três, no andar de baixo ao da vítima. Ouviu ou percebeu alguma coisa anormal na noite passada? – perguntou ele.
_ Não, senhor. Teve uma hora, por volta das vinte horas mais ou menos, eu fui colocar o lixo na porta do apartamento e vi o senhor Walter subindo as escadas…
_ Sabe onde ele estava indo?
_ Provavelmente iria visitar a vítima, senhor – respondeu ela.
_ A senhorita sabia que eles tinham um relacionamento? – perguntou ele.
_ Imaginava que sim, eu os vi conversando algumas vezes… – respondeu ela com malícia.
_ Mas não ouviu mais nada na noite passada?
_ Não, senhor. Depois que coloquei o lixo pra fora, tomei meu banho e acordei com o alarme do carro na rua e depois vocês batendo à minha porta.
_ O seu apartamento é exatamente embaixo do apartamento da vítima – insistiu ele. – A senhorita nunca ouviu nada diferente, nada que precisasse reclamar? Barulho, por exemplo?
_ Tenente, quando se mora em apartamentos, principalmente esse que moramos que é quase sempre ocupado por estudantes, o barulho é o de menos. A gente se acostuma e eu tenho sono pesado.
_ A que horas a senhorita chegou ontem?
_ Por volta das dezoito horas. Saí do trabalho e fui para casa direto – explicou ela. – Não saí mais, desde então.
_ Sislene, você matou a Fátima?
_ Claro que não, Tenente. Nem motivos eu teria para matar.
_ Obrigado, Sislene. Descobriremos o assassino em breve.
Essa aí, pensou ele, diz não ter motivos para matar. Mas ninguém conta o motivo que tem para matar até na hora de ser descoberto ou se entregar. Achei ela muito firme nas coisas que disse.
Faltavam os quatro estudantes de engenharia que moravam no apartamento duzentos e um. Eram os últimos, ainda bem! Pensou ele. Em um prédio com dez apartamentos por andar, tivemos sorte de ser mês de férias. Poucos não viajaram. Tomou outro café e comeu uma rosquinha que estava em um pote ao lado. A rosquinha não fazia parte do seu vício por café.
O primeiro a entrar foi Paulo José Barbosa, o negro e forte estudante de engenharia sorriu ao tenente mostrando-se uma pessoa solar, de bem com a vida.
_ Paulo, vocês ontem estavam elaborando um projeto, como me disseram na madrugada – começou Gilberto. – Pode me dizer sobre o que é esse projeto?
_ Claro, Tenente – sorriu ele novamente empolgado com o seu trabalho. – A gente está fazendo um trabalho de aproveitamento de lixo.
_ Ah, é? – perguntou desanimado o militar que já conhecia tantos projetos de aproveitamento de lixo.
_ É sim! A gente está fazendo um trabalho para transformar lixo em combustível.
_ Sério? – perguntou o militar mais animado. – E como é isso?
_ A gente desenvolveu uma máquina que vai triturar todo o lixo e depois de transformá-lo em pó, conseguimos mudar a constituição física do lixo e transformá-lo em algo que possamos utilizar como combustível – explicou ele.
_ Muito legal! Parabéns! Mas, desculpe, Paulo, estamos desvendando um assassinato e eu quero saber o que você pode me dizer sobre a vítima.
_ Não muita coisa, Tenente. Eu estive com ela algumas vezes, meus amigos não podem saber, mas nunca tivemos um relacionamento sério – respondeu ele.
_ E quando foi isso, Paulo?
_ Há um ano mais ou menos – respondeu o estudante de vinte e quatro anos. – Depois eu comecei a namorar minha atual namorada e não fui mais ao apartamento de Fátima. Sinto muito que tenha morrido.
_ Você chegou em casa ontem a que horas? – perguntou Gilberto.
_ Por volta das dezenove horas – respondeu ele. – Eu cheguei, tomei banho e fiquei esperando os outros para começarmos a estudar.
_ E quando eles chegaram?
_ Chegaram depois das vinte e trinta – respondeu ele. – Chegaram os três, eles trabalham na universidade mesmo até mais tarde.
_ Depois disso?
_ Ficamos por conta do projeto e depois de meia noite, paramos para beber uma cerveja e relaxar – ele sorriu novamente. – Estávamos bebendo ainda quando o senhor bateu à porta.
_ Não ouviram o alarme do carro? – perguntou o tenente.
_ Não. Quer dizer, alarme de carro toca naquela rua a qualquer momento. Como nenhum de nós temos carro, não nos importamos com isso.
_ Tudo bem. Paulo, você matou a Fátima?
_ Que isso, Tenente? – riu Paulo. – Claro que não. Não teria nenhum motivo para matar a bonitona.
_ Bonitona? – perguntou Gilberto.
_ Sim – ele riu mais, – era assim que a gente a chamava lá em casa.
_ Tudo bem, Paulo. Vamos nos falar de novo em breve.
Mais um que passou pelo apartamento da “bonitona” – ele riu ao pensar nisso. – Quem será que não passou pela cama da vítima?
Cesar dos Santos de vinte e três anos era ruivo e alto. Pele com sardas na medida certa fazia com que aquele rapaz fosse considerado lindo e cobiçado por onde andasse.
_ Tudo bem, Cesar? – perguntou Gilberto vendo que o rapaz estava nervoso.
_ Tudo sim, Tenente. Eu nunca estive em uma delegacia antes – explicou ele. – É estranho.
_ O que é estranho? – o militar lhe ofereceu café e ele aceitou sem açúcar ou adoçante.
_ A gente não faz ideia de como seja um ambiente militar até entrar em um. Achei que fosse muito mais austero – explicou ele.
_ É diferente para cada pessoa. Se você é um militar a sua visão é uma, se é uma pessoa comum, outra e se é um bandido, como certeza, não é a melhor visão – o militar sorriu.
_ Pois é… – titubeou o ruivo.
_ Como foi a sua noite ontem, Cesar?
_ Eu cheguei em casa às vinte e trinta e não saí mais. Cheguei junto com o Márcio e o David. A gente fica na faculdade muito mais tempo porque estamos fazendo um trabalho voluntário no DA de engenharia lá no campus – explicou ele.
_ E depois não saiu mais?
_ Não, senhor- ele foi enfático. – Ficamos estudando nosso projeto e só paramos para tomar uma cerveja por volta de meia noite.
_ Não saiu mais do apartamento? – perguntou Gilberto.
_ Não saí mais – repetiu ele.
_ Cesar, você conhecia a vítima?
_ Conhecia sim, Tenente. Ela é da minha cidade – respondeu ele. – Mas a gente nem conversava muito. Era só “oi” no elevador. Mais nada.
_ Ela era da sua cidade? – perguntou Gilberto interessado. – Você conheceu o marido dela?
_ Conheci sim, senhor. Eles ficaram casados por cinco anos só –explicou ele. – Nem filhos tiveram.
_ Sabe porque terminou o casamento? – perguntou ele.
_ Não – respondeu ele imediato. – Isso eu não sei.
_ Sabe o nome do marido da vítima?
_ Não me lembro, Tenente. Isso tem muito tempo e eu já moro em Juiz de Fora também há muito tempo – ele pensou, parecia querer lembrar. – Não sei quem era.
_ Talvez alguém de sua família saiba quem foi o marido – sugeriu o militar.
_ Pode ser – o rapaz sorriu. – Minha mãe sabe tudo.
_ Cesar, você matou a Fátima?
_ Credo, Tenente. Eu não! Cruz Credo, matar alguém.
_ Eu tenho que perguntar isso – o tenente sorriu. – Você disse que a conhecia de sua cidade. Aqui, vocês tiveram algum relacionamento?
_ Eu não. Sei que muitos rapazes frequentavam o apartamento dela, mas eu não. Nunca quis – definiu ele.
_ Muitos rapazes… Seus amigos?
_ Paulo com certeza, Márcio e David não sei. Não falamos muito da “bonitona” – nesse ponto ele ficou vermelho – lá em casa.
_ Tudo bem. Voltaremos a conversar.
Despediram-se e Gilberto riu ao pensar na “bonitona”. Tinha agora mais uma esperança: quem sabe o nome do marido da vítima?
Márcio e David foram de pouca ajuda no esclarecimento do crime. Ambos disseram que não conheciam a vítima além do elevador e jamais estiveram em seu apartamento. Márcio tinha uma namorada a quem se disse fiel e David, depois de pedir o maior segredo ao militar, se declarou gay e jamais se interessaria pela “bonitona”. Ele ainda estava ocultando dos amigos sua tendência sexual com medo do que poderia virar a sua vida se descobrissem que era gay. Vivia triste com isso, mas morria de medo da verdade.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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