MORTE NA RUA BRÁS BERNARDINO – CAPÍTULO FINAL – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

MORTE NA RUA BRÁS BERNARDINO – CAPÍTULO FINAL

Tenente Gilberto chegou a uma conclusão. Precisava se certificar do que pensou e por isso mesmo, a exemplo do seu ídolo, Hercule Poirot , resolveu reunir os suspeitos em uma sala de reuniões da delegacia. Tomou alguns cafés antes de encarar a reunião, respirou fundo e entrou na sala.
Gonçalves e Xavier dispuseram as pessoas ao redor da enorme mesa de reuniões e se postaram ao lado da porta de saída da sala.
Gilberto entrou e observou seus convidados. Estavam sentados à mesa: Walter Gouveia Salles, moradores do apartamento quinhentos e dois, Mário Ribeiro Paixão, Antônio Carlos Terra, José Luiz Freitas, Pedro Antônio Silva, Carlos Ribeiro Almeida e Henrique Ferreira Cardoso, Sislene de Freitas do apartamento quinhentos e três, o casal Gilson Carlos Rodrigues e Cláudio Fonseca, os rapazes do apartamento duzentos e um, Paulo José Barbosa, César dos Santos, Márcio José de Assis, David Fiorillo da Silva, Laura Resende do apartamento duzentos e três e Sueli Mattos do apartamento duzentos e seis.
Eram dezessete pessoas que poderiam matar e jogar a vítima pela janela. Ele havia excluído os velhos que não teriam forças para matar e excluiu também o jovem Breno de Souza Júnior. O rapaz não teria tempo e força para matar devido ao grau de álcool com que adentrou o prédio, confirmado pelo porteiro do prédio.
Ele observou cada um e viu que Walter estava inquieto e se sentindo incomodado por estar ali, Gilson e Cláudio, sentados próximos, estavam tranquilos e aguardavam, os rapazes todos conversavam entre si como é próprio da juventude e se calaram quando o tenente entrou. Sueli era a que mais incomodada estava pelo fato de estar na delegacia outra vez e por estar perto de tantos vizinhos que ela não queria ter contato nunca. Sislene estava elegantemente sentada, calada, esperando a reunião começar. Laura do apartamento duzentos e três apenas sorriu.
_ Bom dia – cumprimentou o tenente, – desculpem-me o transtorno de reuni-los aqui, mas era uma forma mais fácil de resolver esse mistério.
_ Espero que resolva mesmo, Tenente – expressou-se Sueli com raiva. – Eu não gosto de estar aqui.
_ Por que não, Senhorita Sueli? – perguntou ele usando o “senhorita” que tanto a incomodava.
_ Delegacia não é lugar para moça direita – respondeu ela.
Os outros esconderam um riso de deboche, mas o tenente não deixou que se tornasse uma gozação explícita.
_ Serei rápido e daqui a pouco nossa reunião estará terminada.
_ Eu não entendi porque estamos aqui, Tenente – começou Walter. – Achei que já tínhamos dado todo nosso depoimento quando aqui estivemos.
_ Sim e não, Walter – explicou o militar. – Vocês ainda têm algumas coisas para me contar.
_ Mesmo, Tenente? – perguntou Cláudio. – Eu não sei de mais nada que pudesse ajudá-lo.
_ Muito ainda não foi dito, Cláudio. Eu queria saber, por exemplo, quem mais é da cidade de Ubá, cidade da vítima.
_ Eu nasci em Ubá, mas não moro lá há quase trinta anos – respondeu Walter.
_ Eu sou de Ubá, Tenente – respondeu Cesar, – mas isso eu lhe havia dito.
_ Eu sou de Tocantins – respondeu Sislene. – É uma cidade muito pequena e muito próxima a Ubá.
_ Mais ninguém? – Ante o silêncio na sala ele continuou: – Quem conhecia a vítima por ser de Ubá?
_ Eu lhe disse, Tenente – retornou Cesar – que eu vim para Juiz de Fora há mais tempo, sabia da sua existência, mas não a conhecia pessoalmente.
_ Eu a conheci aqui – foi rápido Walter.
_ Quem conhece Aguinaldo Faria Salles? – perguntou Gilberto diretamente.
_ Quem? – perguntou Gilson. – Nunca ouvi falar.
_ É meu primo – confessou Cesar. – Por quê?
_ Mais alguém conhece o senhor Agnaldo? – o militar voltou a perguntar.
_ O que tem a ver essa pessoa aí? – perguntou Walter.
_ Você o conhece, Walter? – perguntou o militar.
_ Eu tenho um sobrinho com esse nome – disse o incomodado chefe da biblioteca. – Por quê?
_ Por que esse é o nome do ex-marido da vítima – explicou o militar observando cada um.
Walter remexeu na cadeira e ficou ainda mais incomodado. Parecia que queria pular pela única janela da sala e sumir daquele local. Sislene e Sueli não se abalaram. Os rapazes das repúblicas prestaram maior atenção como se lhes contassem uma fórmula secreta de transformar pedra em ouro. Gilson se mexeu na cadeira, mas Cláudio foi quem mais nervoso ficou.
_ O que mais vocês podem me dizer da vítima, do marido dela e do assassinato? – perguntou tenente Gilberto.
_ Eu não conhecia a vítima, Tenente – disse Sueli com vontade de chorar. – Eu não tenho nada a ver com isso.
_ Nem eu, Tenente – continuou Sislene. – Talvez os rapazes que frequentavam o apartamento da vítima tenham mais a dizer – ela olhou para os rapazes do apartamento duzentos e um.
_ Por quê? Por acaso está nos incriminando? – perguntou Paulo exaltado. – Nós não saímos do apartamento.
_ Nenhum de vocês? – perguntou Gilberto.
_ Não… – titubeou Paulo. – Quer dizer, o Cesar saiu para fumar e o David para jogar o lixo na lixeira.
_ Isso vocês não haviam me contado – retornou Gilberto.
_ Eu saí uma única vez e fiquei na sacada fumando – explicou Cesar. – Não fumo dentro do apartamento.
_ E eu saí para jogar o lixo na lixeira do prédio – justificou-se David.
_ Quanto tempo estiveram fora? – perguntou Gilberto.
_ Foi rapidinho – disseram.
_ A gente estava bebendo – justificou-se Paulo. – Não temos muita noção de tempo.
_ Acho que demoraram, viu – disse Marcio olhando para os amigos. – Mas também não sei quanto tempo.
_ Alguma coisa mais? – Gilberto perguntou olhando para os suspeitos à sua frente. – Alguém mais tem alguma coisa que não me contou antes?
_ Tenente – chamou a atenção Henrique, – o que o senhor tem em mente?
_ Eu sei quem de vocês matou a Fátima – respondeu Gilberto.
_ Que bom – Gilson sorriu. – É bom que acabe isso.
_ Sim. Em primeiro lugar – começou Gilberto, – eu acho que vocês ainda estão me escondendo alguma coisa. O motivo de matar a Fátima. Qual era o motivo de ver a mulher morta e depois jogada pela janela? Um ato de ódio? Todos vocês me dizem que ela era apenas uma vizinha e exceto os rapazes, ninguém a conhecia direito. Mas já temos dois parentes do marido. Por que será que o casamento acabou? Vocês sabem? – perguntou para Walter e Cesar.
_ Não sei – disse rápido e curto Cesar.
_ Não sei, Tenente. Como eu lhe disse, eu conheci a Fátima aqui em Juiz de Fora.
_ Alguém sabe? – perguntou ele olhando para todos. – Gilson, você teria motivos para matar a vítima?
_ Claro que não, Tenente – assustou-se o rapaz olhando para o marido. – Jamais faria algo assim e eu não a conhecia mesmo.
_ Mas o Cláudio a conhecia – afirmou Gilberto olhando para o professor.
_ Eu? – tentou esquivar-se Cláudio. – O que o senhor está insinuando?
_ Bem, eu não estou insinuando nada.
Gilberto se levantou da cabeceira da mesa onde se sentara e em pé, olhando para cada um começou:
_ Fátima era uma mulher da sociedade de Ubá e conhecidíssima na cidade. Moça bonita, não lhe faltavam pretendentes. Um belo dia ela conheceu Agnaldo e foi um amor sem igual. Isso tudo me contou uma tia da vítima. Uma festa muito boa foi feita para o casamento dos dois. Casamento esse que não durou muito tempo. Apesar do amor de ambos, um pelo outro, Agnaldo traia Fátima e um dia ela encontrou o marido na cama com outra pessoa. Sem muito alarde, o casamento foi desfeito e ela então, mudou-se para Juiz de Fora e veio morar nesse prédio onde vocês ainda moram. O tempo passou, mas apesar de estarem separados, Agnaldo continuava tecendo pela vítima um ódio descomunal.
_ Então foi ele quem matou? – perguntou Laura até então, calada.
_ Espere pelo desfecho, senhorita Laura – pediu o tenente.
_ Fátima era uma mulher ativa e cheia de planos. Dava-se bem em Juiz de Fora e jurou que nunca mais se casaria. Mas não queria viver sem um parceiro sexual, ou vários…
_ Eu a amava, Tenente – interrompeu Walter. – Eu queria me casar com ela.
_ Muito providencial, Walter, casar-se com a ex-esposa do seu sobrinho – afirmou Gilberto.
_ Eu a amava – repetiu ele.
_ Amava! Todos vocês a amavam! – Gilberto sorriu. – Ou detestavam!
_ Quem aqui não queria que a vítima morasse naquele prédio?
_ Eu não queria – respondeu Sueli. – Ela não era moça direita.
_ Você queria matá-la, Sueli? – perguntou o militar.
_ Não, senhor, Deus me livre. Misericórdia! – respondeu a mulher com lágrimas nos olhos.
_ Mas alguém queria matar a vítima. O ódio de Agnaldo era grande – continuou o tenente. – Era tão grande que ele esperou mais de quatro anos para matar aquela que terminou o casamento que ele esperava sair um dia com certa fortuna. Agnaldo ficou sozinho e sem dinheiro. Fátima, em Juiz de Fora, veio morar em uma quitinete, embora não precisasse, e viveu sua vida em paz.
Todo mundo que está em uma vida em paz, esquece-se de que ao seu lado pode haver um inimigo à espreita. Então, já que a única solução para Agnaldo ter algum dinheiro, o casamento foi desfeito, mas ainda está em processo de separação, era a morte da esposa. Se Fátima morresse, Agnaldo herdaria pelo menos a casa que compraram depois do casamento.
_ Um casão, viu – interrompeu Cesar.
_ Você conhece a casa, então, Cesar? – perguntou o tenente.
_ Conheço por fora – despistou ele arrumando-se na cadeira. – O povo fala, né?
_ O povo fala. E é com esse povo mesmo que a gente fica sabendo das coisas. Agnaldo sumiu de Ubá logo depois. Consegui fotos dele com parentes da Fátima e informações com uma irmã que não o vê há anos. Simpática a irmã. Aí, vieram morar no prédio onde morava Fátima, o tio Walter e o primo Cesar de Agnaldo. Prédio familiar esse. O que ninguém sabia era que também estava morando no prédio o Agnaldo, ex-marido de Fátima.
_ Como assim? – perguntou Walter assustado. – Eu não sei quem é.
_ Nem eu – corroborou Cesar.
_ Que confusão – interferiu Mario. – Conta mais, Tenente.
_ Na noite do assassinato, Walter foi visitar a vítima e tomaram meia garrafa de vinho. O amor era tanto que foram para o sofá e tiveram uma relação sexual – nesse momento Sueli escondeu o rosto com a mão. – Saiu do apartamento e foi conversar com Geraldo na portaria. Voltou para seu apartamento e dormiu com um Clonazepam. Ele não soube, no entanto, que ao sair da casa da vítima, outra visita chegou. Fátima abriu a porta e o homem trouxe mais duas garrafas de vinho. Ela o recebeu e conversaram e beberam as duas garrafas do vinho que o visitante trouxe com uma grande dose de Clonazepam dissolvida. Fátima apagou no sofá e, então, Agnaldo conseguiu estrangular a mulher sem que ela opusesse qualquer reação. Mas o ódio era muito. Ele queria que ela sofresse mais. Queria que ela tivesse um fim drástico como ele acha que a sua vida teve um fim.
_ Mas se a mulher já estava morta, para quê jogar pela janela e fazer essa confusão toda? – perguntou José Luiz. – Se ele não a jogasse pela janela, ela só seria encontrada morta depois de algum tempo.
_ Isso mesmo, José Luiz – concordou o tenente. – Mas ele estava com os nervos em frangalhos pela raiva e pelo ódio. Acabou deixando-se ser movido pela impulsividade e jogou a ex-esposa pela janela. Ela não tinha nenhum indício de luta, como falei com vocês, mas ele acabou se ferindo na janela e eu só achei essa gota de sangue na segunda vez que voltei ao apartamento.
_ Isso é uma prova? – perguntou Carlos.
_ Sim, meu caro – o tenente sorriu. – E eu queria ver onde você se machucou, Henrique, ou devo chama-lo de Agnaldo?
Henrique se levantou de repente, mas viu que os guardas se aproximaram dele no mesmo momento. Gilberto sorriu e pediu novamente para ver onde estava machucado quando ele jogou o corpo de Fátima pela janela.
Sem ter como fugir à evidência, Henrique, melhor, Agnaldo, levantou a manga da camisa e mostrou um arranhado no antebraço direito.
_ Eu tenho o seu DNA coletado no dia da morte da vítima – começou Gilberto. – O mais difícil foi coletar o DNA do marido da vítima. Uma irmã tão simpática não se opôs a nos dar uma mostra do seu DNA e pudemos comparar com o seu. Só assim eu descobri. Senhores – dirigiu-se aos colegas de república, – o seu amigo Henrique, é na verdade Agnaldo Faria Salles, ex-marido da vítima, tem 32 anos e, eu acho, não é nada do que vocês conhecem dele até hoje.
_ Eu posso explicar – tentou falar aos amigos o assassino. – Eu posso explicar…
_ Explica, Agnaldo que a Fátima suportou muitas traições até que o encontrou na cama dela com um homem. Ela queria a todo custo acabar com o casamento chamando a polícia e fazendo um “barraco”. O pai dela não permitiu, mas você teve que sair de lá. Teve que deixar a cidade porque uma notícia dessas não fica totalmente escondida. Você veio morar no prédio da vítima já com a pretensão de matá-la. Usou documentos falsos e fez uma vida falsa. Você chegou a ir ao apartamento da vítima algumas vezes, mas ao contrário do que seus amigos pensavam, vocês não transaram, brigaram e isso aumentou o seu ódio por ela.
_ Ela estava transando com todo mundo do prédio. Tio Walter não me conhecia, Cesar também não, mas todos sabiam que ela fora casada com um parente – desabafou Agnaldo. – Eu odiava aquela mulher!
_ Guardas, prendam o senhor Agnaldo Faria Salles – ordenou Gilberto.
O assassino não opôs resistência e foi levado da sala. Os outros estavam boquiabertos. Foi Gilson quem quebrou o silêncio.
_ Que história maluca! Então Agnaldo é gay?
_ Não, Gilson – respondeu Gilberto. – Mesmo na fase em que estava casado, Agnaldo não deixou de fazer programas e ganhar dinheiro extra. Com homem, com mulher, não interessava.
_ Nós não sabíamos disso – desabafou Pedro colega de apartamento. – Agora, depois de tudo, teve uma hora na noite que ele disse que precisava sair um pouco. A gente nem reparou, estávamos bebendo. Ele voltou e continuou tudo normal.
_ Nem imaginávamos uma coisa dessas – também concordou Mário. – Que loucura!
_ Pois é! Ninguém conhece ninguém – desabafou Laura. – Que coisa!
_ Mas por que o senhor nos trouxe todos aqui? – perguntou Cesar.
_ Porque todos vocês têm potencial para matar e força para jogar uma mulher pela janela. Todos vocês eram suspeitos – afirmou ele.
_ Eu não – quase gritou Sueli chorando. – Eu não mataria ninguém. Misericórdia.
_ Não mataria, mas com esse seu falso amor a Deus, você fala mal e difama todo mundo. Não há um só morador naquele prédio que você aprove a conduta de vida. Para você todos estão errados e em pecado – ele afirmou olhando para ela.
_ Não é assim – afirmou ela. – Eu não gostava da vítima porque o Walter me deixou por ela.
O bibliotecário virou o rosto para o outro lado disfarçadamente e os outros riram da situação.
_ Vocês estão liberados – terminou o tenente. – Mas, por favor, não matem mais ninguém!
Alguns rindo, outros assustados, todos se levantaram para sair. Walter procurou pelo militar em particular.
_ Quer dizer que se eu tivesse ficado lá, ela não teria morrido?
_ Nunca se sabe, Walter. Nunca se saberá!
Gilberto entrou em seu escritório e precisava tomar um café. Quem sabe tomaria uma garrafa de café? Resolvido mais um caso de ódio. Como disse Laura: “Ninguém conhece ninguém!”

               

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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