NA FARMÁCIA – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

NA FARMÁCIA

 

Eu estava na farmácia para comprar antibióticos que receitara para minha sogra. Ante a lentidão do atendimento dos três balconistas, não pude deixar de ouvir a conversa de suas mulheres altamente decoradas de vermelhos, dourados, prateados e coisas afins e, na maioria das vezes, sem sempre afins, que conversavam com um vendedor.

– Querido, esse remédio tem de um e dois miligramas, não é mesmo?

– Claro, minha senhora – responde o rapaz. – A senhora, qual vai querer?

– Eu não sei qual eu tomo… – diz a primeira com os olhos de sombra azul.

– Você não se lembra? – perguntou a outra do colar verde florescente.

– Não, querida.

– Eu suponho – diz o vendedor espertamente – que os comprimidos devam ser de cores diferentes…

– Ah, é? – diz a mulher eufórica.

O vendedor abre, então, as duas caixinhas e, para desilusão geral, são brancos.

– Não, senhora, os dois são brancos.

– Ah! – os olhos da azulada se enchem de alegria. – Mas esses são menores, olha o tamaninho deles, que lindos… São esses que eu quero. São esses que eu uso.

– Ah, que bom, querida – sorri a esverdeada.

– Meu filho, antigamente Vagostesil era ansiolítico, não era? – pergunta a verde.

– Continua sendo, senhora. Mas só é vendido com receita médica – responde o “farmacêutico”.

– Mas por quê? – pergunta a mulher de sombra azul, vestido vermelho com dourado. – Antigamente era vendido assim assim…

– Eu não sei, senhora. Ele não é nem faixa preta, é vermelha… Eu não entendo… – responde o vendedor.

– Mas não devia, não – responde a mulher de sombra verde e vestido vermelho e preto. Era um remedinho tão bom…

– Eu acho – diz o vendedor – que essas coisas são para vender mais. O povo todo corre atrás de remédio que é proibido.

– Deve ser, meu fiho – diz a verde-vermelha-dourada – tudo é bem mais gostoso. Eu só tomo esses remédios porque são controlados. Ai, eu adoro esses de faixa preta, então. Combinam tanto com os arminhos da minha penteadeira.

– Eu nunca pensei nisso – diz a azul-vermelha-preta-prateada. – Sabe que é verdade? Ah, olha aquela caixinha ali, azul com faixa preta. Não é maravilhosa?

– Acho que vou levar delas também – diz a esverdeada.

– Quantas, senhora? – pergunta o vendedor.

– Não sei, querido. Umas duas – responde a azulada.

– Claro, senhoras – responde o vendedor, colocando no balcão as caixas de remédios, todos controlados, como se ali dispusesse pacotes de fitas, botões, ou mesmo peças de tecido em um armarinho.

– Ah, que lindo! – diz a verde em uníssono com a azul. – Vou levar todos.

– Só com receita, senhora – diz o vendedor.

– Como assim? – perguntam as duas azul-verde-vermelha-preta-dourada-prateada, roxas de raiva.

Nesse momento, o vendedor que estava lá dentro, batendo papo, dignou-se a me atender. Comprei o remédio de que precisava e deixei as coloridas espumando de ódio e brigando com o vendedor que nada podia fazer.

 

Maloca Querida, 1998:21-3.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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