O ANJO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O ANJO

Eu estava voltando de viagem. Mais um fim de semana que passei em Conselheiro Lafaiete na casa da minha irmã e aproveitando para visitar alguns parentes. Saí de Lafaiete em 1980 para estudar medicina em Juiz de Fora e aqui moro até hoje. Depois de formado em medicina, acabei por começar a trabalhar na Manchester Mineira e hoje é a minha cidade.

Quando saí de Juiz de Fora para ir a Lafaiete, achei que o caro estava meio estranho, mas ainda respeitava o meu pé no acelerador. Consegui fazer o percurso de cento e oitenta quilômetros em duas horas e passei um fim de semana muito agradável como sempre. Visitei uma prima que tem duas filhas quatro netas e um bisneto e andei pela cidade durante o dia.

Sempre que vou à Lafaiete, minha irmã e eu ficamos em casa no sábado à noite tomando uma cerveja, comendo uma carne. No dia seguinte eu faço o almoço, ou ela o faz, e eu volto para Juiz de Fora.

Naquele dia, peguei o carro e logo no início da rodovia comecei a sentir que ele estava mais devagar que eu costumo andar e não obedecia aos meus comandos, mas ainda assim, andando em boa velocidade. Parei como de sempre no Roselanche para tomar um café e comer um pastel de casquinha (o pastel deixa cair um monte de casquinha no prato, na roupa, por isso o nome que eu o batizei). Abasteci e tomei novamente o rumo da rodovia. Já passando por Barbacena o carro estava mais devagar que o normal. Eu pisava fundo e ele não passava de oitenta quilômetros por hora. Estava ruim. Queria que fosse mais rápido, mas ele não me obedecia.

Passei por três pontes em Santos Dumont e duzentos metros depois da terceira ponte, em uma curva o carro parou na beirada da rodovia sem acostamento. Não respondia a nada. Rádio ligado, motor ligado, mas não respondia aos meus pés que queriam fazê-lo andar. Droga! Pensei. Eu não entendo nada de carro e para mim, parou, paro também e peço socorro.

Telefonei imediatamente para o responsável pelo seguro do meu carro e ele me mandou esperar o guincho chegar. Como é recomendado, eu saí do carro, sinalizei a rodovia e fiquei do lado de fora do carro esperando talvez mais de duas horas o guincho. Estava uma tarde fresca e clara, apesar de ter chovido muito pela manhã e eu estava bastante tranquilo na beira da estrada. O local era à minha frente um barranco enorme com várias árvores no alto e arbustos na encosta e atrás de mim, um abismo que se entendia por muitos metros além da minha visão.

Estava eu quieto esperando quando vi um homem sem camisa, bermuda amarela, no alto do morro com uma gaiola de passarinho na mão. Ele dizia alguma coisa e o pássaro cantava. Eu o vi e ele também me viu. Continuou sua excitação ao pássaro e o bicho respondendo. De repente ele se dirigiu a mim.

_Ô, tio, dá um dinheiro aí.

Eu fiz de desentendido e não respondi, mas também não olhei para o alto do morro. Ele ficou quieto com seu pássaro por alguns minutos, mas eu olhei e vi que ele ainda estava lá.

_ Ô, tio, dá um dinheiro aí – repetiu ele para mim.

Eu comecei a ficar preocupado. Eu estava sozinho na estrada e a tarde já começava a evoluir para um céu um pouco menos claro, em breve seria noite. Chovera mais cedo e poderia chover de novo em breve.

_ Ô, tio, dá um dinheiro aí – repetiu ele. – Se não dé, nois pega, hem.

Nesse momento comecei a pensar no que fazer. Se ele descesse e resolvesse me agredir eu conseguiria morder o seu pescoço e drenar o seu sangue? Quem me dera fosse um vampiro dos meus livros. Poderia eu me livrar do camarada entrando no carro? E se viesse em bando? Eu não sabia dizer em que área da cidade de Santos Dumont eu estava. Olhei para a estrada e nada do guincho, nada de nada. Apenas carros que passavam acelerados em busca de seus destinos. O homem com a gaiola do pássaro continuava no alto do morro e agora ele me olhava. Eu não sei o que teria que fazer para me defender. A única coisa que sei fazer é escrever altas chacinas, mas eu não sei dar um murro. Estava frito!

Olhei novamente para a minha esquerda e vi que se aproximava do outro lado da rodovia um homem de calção verde, gordo, de pele morena pelo sol, com um cajado, fazendo caminhada. O homem com a barriga saliente e os cabelos brancos desgrenhados, atravessou a rua e me perguntou o que houve.

_ O carro parou de acelerar e eu não sei o que aconteceu – respondi.

_ Então é só esperar – respondeu ele. – Ligue para a assistência da rodovia e eles veem prestar ajuda.

Ele me deu o número que eu precisaria ligar, arrancou matos e folhas de uma touceira perto e colocou no asfalto e ficou ao meu lado. Interrompeu sua caminhada e postou-se ao meu lado sem conversar muito, apenas esperando como eu. Olhei para o alto do morro e o camarada do passarinho havia sumido. Achei muito estranho.

O homem de cinquenta e poucos anos, segurando aquele cajado de madeira parecia que ali do meu lado tomava conta da situação. Ele me protegia e esperava comigo.

Não demorou muito tempo e o guincho chegou e também o carro da assistência da BR-040. Eu conversei com os responsáveis por ambas as ajudas e decidimos que iria ser rebocado até um restaurante na estrada e de lá um taxi de Juiz de Fora viria para me buscar.

Eu procurei pelo homem que estivera comigo e não o vi mais. Vi a dez metros de onde estávamos o seu cajado e me direcionei ao lugar, mas antes que eu chegasse perto, ele foi erguido por uma força invisível e desapareceu. Pareceu-me que o anjo – o homem gordo sem camisa só poderia ser um anjo – voltou para buscar o seu apoio. Olhei para cima e agradeci a toda ajuda que sempre recebo na vida dos meus amigos espirituais. Mais uma vez eu fui protegido e ajudado por um anjo que, longe daquela forma linda de asas imensas que a literatura mostra, esteve comigo na forma de um homem comum cheio de necessidades.

O guincho parou no Restaurante O Pachecão depois da cidade e eu fiquei no guincho esperando o taxi que foi me buscar. O carro dormiria em Santos Dumont, com o porta-malas cheio de livros, até na terça-feira seguinte. Cheguei à minha casa bem, sem nenhuma intercorrência e sem ter que morder o pescoço de ninguém. Ri quando pensei nisso e mais uma vez agradeci a Deus.

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Artur Laizo Escritor

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