O MAR – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O MAR

Ele olhava fixamente o mar a sua frente. O azul penetrava na sua mente e ele voltava ao passado, ele buscava no seu íntimo a razão daquela existência e do que fazia ali. Não havia motivos expressivos para estar tão só e com tanta dor espiritual e psicológica. Doíam-lhe as entranhas de se saber só e o porquê de tudo aquilo.

O céu, rasgado agora por um traço vermelho do ocaso, tingia-lhe também a alma de sangue. Sangue que lhe corria nas veias e que deixaria de exercer suas funções em breve. Deixaria de escorrer quente e viscoso por onde pudesse e permaneceria inerte.

Não havia como sair de sua posição e não poderia mais retroceder. A noite não tardaria e ele estaria envolto pela escuridão, como escura se encontrava sua mente naquela hora. E ele olhava o mar. Não podia deixar de ver o que se passava no azul, agora escuro, mas só no mar. E ele ali, só, nas rochas, olhando o mar.

Ocorreu-lhe que no passado sempre gostava de olhar o mar, principalmente quando era criança. Não havia nada que mais gostasse de fazer que olhar o mar. Depois com a adolescência viera a certeza de que deveria lutar para ter um futuro. Agora ele ali observava o seu futuro. E a vida que lhe passara a perna enquanto ele passara pela vida e chegara ao momento crucial de definir o quanto queria sofrer ainda pelo que lhe restava. Não podia mais suportar aquela pressão na cabeça e aquela dor na alma a lhe tirar o sono e a fazer com que seus dias fossem mais noites e suas noites trevas sem fim. E ele olhava a noite entrando, olhando fixamente o mar.

O dia fora o pior, dentre todos os piores aquele tinha sido o mais doloroso e o mais difícil de suportar. Não havia mais o que fazer, não podia mais querer fazer alguma coisa, não podia mais poder alguma coisa. O mal se lhe enraizara e ele estava ali. Não devia mais estar ali, não podia mais estar ali. Não devia ter podido acontecer o que lhe acontecera, devia ter podido escolher o que pretendia para seu futuro. Não lhe fora dada a chance e hoje ali ele estava. O desespero talvez tomasse conta de cem por cento de suas células e ele não sabia o que fazer ao certo. Apenas olhava fixamente o mar.

Desde que soubera-se contaminado, desde que soubera-se fazendo parte da parte colocada a parte da sociedade, ele não tinha mais o direito de ter direito, não podia mais querer, não podia mais viver, não podia mais amar, não podia mais nada.

Uma lágrima lhe escorre pela face. Seria chuva? Uma chuva de lágrimas ou uma lágrima de chuva?… Seu rosto está molhado e lhe escorrem pelo rosto mais lágrimas e mais chuva e mais escura fica a noite e mais escura fica-lhe a alma e tudo sempre mais escuro. E a água do mar que ele olhava fixamente lhe começa a invadir as narinas, a garganta, talvez já os pulmões, pois tenta respirar e mais água lhe entra boca a dentro e o mar invade e o mar fica mais escuro e cada vez mais escuro.

E escuro fica o mar, a noite e o corpo que boia ao léu.

 

Maloca Querida, 1998: 81-3.

Foto: http://www.ibaixa.com.br/papel-de-parede/3421/mar-escuro/

 

Sobre o autor Ver todas as postagens

Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados *