O MENINO RUIVO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O MENINO RUIVO

1998

Ele estava ali parado olhando a escola passar com quarenta crianças de seis a sete anos. Estavam em uma feira de livros no espaço denominado Exposhopping em Juiz de Fora. A ideia era iniciar o programa de Bienais de Livros da cidade. Não se repetiu.

Manuel olhava cada criança e as admirava. Não com olhar de pedófilo que ele nunca fora, mas o homem tinha um dom de Deus ou do Ser das Trevas e ele podia prever o futuro de cada uma daquelas crianças. Ele via mães de família entre as meninas mais tímidas e grandes mulheres que despontariam no mercado empresarial. Ele viu militares entre os meninos, viu empresários, viu dois meninos muito próximos, que depois de muitas desavenças se tornariam um casal contra a vontade dos pais de ambos os rapazes. E ele viu. Ele observou e ele sentiu. Entre os alunos daquela última escola estava ele. Cláudio Pedreira era seu nome. Um rapaz de olhos profundos e verdes emoldurados por aquela pele pálida e cheia de sardas. Ele era lindo, mas seu futuro não era. Manuel percebeu que ele precisava de ajuda. Precisava ser acompanhado de perto para que aquilo que ele estava vendo em seu futuro não se realizasse. Mas será que ele conseguiria evitar todo aquele sofrimento e todo aquele desastre?

Ele acompanhou a escola um pouco mais o suficiente para ler na mente do garoto as informações que precisava: nome dos pais, endereço e algumas outras bobagens como gostos do menino para poder se aproximar da família.

Geraldo era um homem comum até seus vinte e dois anos. Morava com os pais e dois irmãos mais velhos em uma casa simples no interior das Minas Gerais quando recebeu o dom de prever o futuro. Com o dom, veio a imortalidade e ele estava com duzentos e cinquenta e dois anos com corpo e cara do mesmo jovem de vinte e dois. A única coisa que lhe era cobrada: manter a paz entre as pessoas entre as quais vivia prevendo-lhes o futuro e mudando-o quando precisasse.

A escola passou e Geraldo acompanhou com o olhar a aura do menino ruivo. Ele via que ele estava acompanhado por espíritos escuros e que talvez, se ele os afastasse do ruivinho conseguiria salvar aquela alma. Antes de sumir na esquina a frente, Geraldo se assustou com a presença ao seu lado de um espírito maligno que ele não distinguia detalhes da face. Era uma cara escura, tendendo para roxo com olhos vermelhos e profundos. O ser maligno que acompanhava o menino apareceu cara a cara com Geraldo para lhe avisar que não se metesse com o.garoto.

Recobrado do susto, Geraldo voltou a observar as filas de crianças e adolescentes que passavam naquela feira de livros.

 

Em 2016, houve uma nova primeira Bienal do Livro de Juiz de Fora. Escolheram como local o Independência Trade Hotel em um espaço muito grande. Lá estava Geraldo, observando as escolas que passavam e analisando cada aura de cada adolescente e prevendo seu futuro. Ele estava contente. Todos estavam bem.

Claudio Pedreira que ele acompanhava desde a última manifestação literária, cresceu e virou um homem, trinta e dois anos, de condição social precária, vivendo de bicos, mas nada que fizesse com que Geraldo se preocupasse nesse período de anos.

Ali estavam novamente, Geraldo observando as escolas e Cláudio fazendo faxina no local. De repente, Geraldo percebeu que o que ele vira anos atrás estava para acontecer. Claudio tinha uma bomba de fabricação caseira, porém potente, que iria explodir em meia hora. Era sua obrigação interromper todo esse processo e salvar a alma de Cláudio, impedindo que ele matasse tanta gente. O que ele poderia fazer? O séquito de espíritos da escuridão que agora acompanhavam o rapaz era maior e Geraldo estava sozinho para combater aquela horda. Ele precisava tirar dali Cláudio, ou evacuar o local. Impossível! As duas coisas pareciam impossíveis. Ele não conseguiria quebrar a corrente do mal que rodeava Claudio. Ele não conseguiria esvaziar o local em menos de vinte e cinco minutos.

O tempo era seu maior inimigo. Geraldo precisava entrar na mente de Cláudio. Dois seres espectrais escuros, roxos, sem definição de face se postaram entre eles. Geraldo percebeu que a luta seria toda em planos espirituais e que ninguém ali iria perceber nada: se a bomba não explodisse continuariam em paz, se explodisse, morreriam sem saber o porquê.

Vinte e dois minutos, Cláudio continuava empurrando o carrinho de lixo pelo caminho entre os estandes de livros e varria calmamente o chão. Ninguém o via, quem o via, não prestava atenção no empregado da limpeza. Ele não demonstrava sentimentos, não sorria, não piscava os olhos. Varria e esperava o momento certo de explodir um prédio de x andares.

Dezoito minutos, ele sabia exatamente o momento de sair de perto da bomba e onde exatamente deixar o falso carrinho que acabaria com tudo. Ele sempre sofreu a perda dos pais quando muito jovem, a criação rígida e com muitos maus-tratos do tio que o adotara. Ele sempre sofreu com sua negatividade e com tudo que atraiu para si mesmo de seres malignos. Ele sempre fora do mal e os próprios espíritos que o acompanhavam, estavam preparados para enganar Geraldo que achava que o rapaz cresceu fora da influência negativa desses seres das trevas.

Doze minutos, o tempo estava passando muito mais rápido. Geraldo precisava arrumar quem acreditasse nele e conseguissem desativar aquela bomba. Ele sabia que a bomba explodiria todo o prédio e o Shopping Independência ao lado, faria parte da destruição.

Dez minutos, ele não podia perder mais tempo. Precisava dar um jeito na bomba. Teria que desativá-la ali mesmo. Geraldo podia ler as mentes e prever o futuro, mas não conseguia influenciar a mente de outras pessoas. Optou por fazer um ato humano que talvez, conseguisse resolver: saiu de onde estava e tombou em Cláudio, derrubando o carrinho de lixo. Os policiais que faziam a segurança local observaram a cena e viram cair do falso carrinho a bomba. Cláudio tentou fugir e foi contido por outro policial bem mais forte que ele. Eles levaram a bomba, Cláudio e Geraldo para a sala da polícia e afastarem do local o maior número de pessoas.

Cinco minutos e o corpo de bombeiros estava a postos para tentar desativar a bomba na sala da Polícia fechada. A feira continuava sem que ninguém soubesse o que estava acontecendo. Os militares viram que era uma bomba, apesar de caseira e potente, que tinha um timer e precisava ser interrompido o processo.

Os espíritos sombrios tentavam libertar Cláudio das mãos dos militares fazendo com que ele parecesse um louco tal o nível de agitação. A bomba era questão de minutos para explodir.

Três minutos, Geraldo percebeu que Cláudio sabia desativar a bomba. Ele precisava conversar com o rapaz. Precisava entrar na mente do possuído e descobrir como interromper aquele processo. Estava junto com os militares apavorados que examinavam a bomba e Cláudio que era contido por outros. Ele se concentrou e conseguiu entrar na mente doente de Cláudio. O rapaz, atrás da possessão, estava igualmente desesperado para evitar a catástrofe

Um minuto, a previsão era a morte de dez mil pessoas entre o prédio, o Shopping e mais algumas construções ao redor que fossem atingidas.

Vinte segundos, Cláudio gritou alto parecendo um delírio muito maior:

_ Corte o fio vermelho.

Os militares voltaram à atenção para os fios da bomba e a solução era acreditar.

Dez segundos, o militar responsável pela inativação da bomba postou o alicate cortante e hesitou. Será que o sujeito que trouxe a bomba iria colaborar no processo de interromper a explosão? Será que poderia confiar?

Cinco segundos, Geraldo gritou:

_ Confia nele. É esse o fio.

O bombeiro cortou o fio faltando dois segundos para tudo virar cinzas. O cronômetro da bomba parou. Cláudio desmaiou. Geraldo suspirou fundo. Os espíritos das trevas olharam o protetor de tantas almas com ódio e se foram prometendo voltar em breve.

A Bienal de Juiz de Fora continuou com grande sucesso e ninguém soube do risco de morte e perigo que correram.

Somente os militares envolvidos, desempenharam um excelente trabalho, tomaram conhecimento daquele episódio. Talvez por isso, a bienal não se repetiu em 2018.

Geraldo iria cuidar de Cláudio agora mais perto. Ele estaria preso pela tentativa de ato terrorista em Juiz de Fora. Geraldo iria lá visitá-lo sempre, embora detestasse o Ceresp.

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Artur Laizo Escritor

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