O MUNDO DEPOIS DA PANDEMIA – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O MUNDO DEPOIS DA PANDEMIA

2050
João X56 andava perto daquela areia escaldante e achou uma engenhoca que, à princípio, não reconheceu. Pegou o artefato e olhou para a água do mar que batia vermelha naquele espaço imenso de areia rosada. Passava por aquele lugar todo dia, indo e vindo do trabalho. E estava sempre procurando alguma coisa.
A orla era o caminho, mas ninguém ousava entrar na água corrosiva do mar que era habitado somente por seres de aspecto horripilante, alguns estavam longe da orla pelo tamanho imenso. Pareciam baleias. Os seres no mar eram adaptados para viverem naquela água ácida e vermelha.
João pegou o aparelho que tinha no bolso e por acaso, havia uma entrada para adaptar aquela engenhoca que achou na areia. Os fones de ouvido passaram imediatamente a soar uma música. Ele sorriu! Não havia mais música no mundo.
Ele ouviu: “O Rio de Janeiro continua lindo”… A música continuou. Depois outra falava de Copacabana. Falava daquela praia, daquele lugar. Mas era muito diferente da música. Ele achou muito divertido e muito estranho. Ele estava no Rio de Janeiro e podia jurar que nada ali era lindo!
O mundo passou por mudanças importantes há trinta anos e não havia muita semelhança entre o mundo que ficou para trás e aquele lugar onde estava.
Os humanos conviviam com seres de um planeta distante de forma bastante pacífica, mas não era a sociedade ideal. João era um dos poucos que pensava e questionava o que poderia estar errado.
O que aconteceu?

O mundo foi atacado por um vírus de disseminação rápida e que trouxe muitos dissabores a todos os países. Ninguém esperava que naquele ano de 2020, que começou de ressaca como todo ano, haveria uma mudança genética tão importante.
O vírus foi implantado em uma cidade do Oriente e em pouco tempo deu a volta ao mundo. Muitas pessoas foram contaminadas e houve muitas mortes como se houvesse uma seleção natural: pessoas idosas, pessoas com alguma doença cardíaca, pulmonar ou metabólica, complicaram e em poucos dias foram ao óbito. O sistema de saúde de todos os países entrou em falência e houve país que não deu conta de enterrar imediatamente seus mortos – foram vistos vários cadáveres enrolados em plástico nas calçadas. Alguns países passaram a criar novos hospitais como aqueles da época da guerra para minimizar o caos. A população mundial foi orientada ao distanciamento social e ficar confinada em casa. Alguns remédios foram difundidos por pessoas inescrupulosas e a população ignorante, sem cultura, aceitava e, desesperadamente, comprava e tomava qualquer coisa independente de ter seu efeito comprovado ou não. Viu-se depois que nenhum deles fez efeito. A maioria tinha efeitos adversos muito piores.
A população entrou em pânico, mas ao mesmo tempo foi incitada a lutar contra o sistema e exigir as aberturas de comércios, restaurantes e bares ignorando a imensidão do mal que estava dizimando o mundo. Divididos, muitos queriam voltar às atividades antes do fim da pandemia e se expuseram ao perigo.
O mundo computava seus mortos dia a dia. Computava o desastre dia a dia. O mundo se rebelava contra as medidas preventivas e a tentativa de sobrevivência.
Os governos não podiam mais conter a revolta do povo e foram relaxando o confinamento e todos falavam de um novo normal. Espalhavam-se boatos e muito dissabor foi criado pelas falsas notícias.
No Brasil, a população se dividia entre os que estavam apavorados com a pandemia e aqueles que não acreditavam no que estava acontecendo. Alguns seguiam como rebanho, cegos, surdos e mudos, um governo que se perdia a cada dia nos próprios atos. Até que um dia, o presidente anunciou que ele também estava contaminado.
O que se poderia esperar mais? Seria o fim da população mundial? A Europa começava a abrir e relaxar o confinamento, a China anunciou que havia outra onda de infecção. Alguns lugares ainda anunciaram a presença de casos de peste bubônica.
Fora a pandemia, havia terremotos em alguns lugares do planeta, ciclones no sul do Brasil, vulcões voltando à atividade, nuvem de gafanhotos, temporais e alagamentos, secas e grandes incêndios. O mundo parecia estar se rebelando de alguma forma. Algo estava acontecendo e o planeta sabia: estava tentando avisar aos pobres humanos.
Enfim agosto de 2020 deixou a população mundial respirar um pouco aliviada: controlaram a pandemia? Ilusão! A segunda onda da infecção virótica apareceu. E não começou em um lugar específico. Aconteceu na segunda quinzena do mês de setembro em todos os lugares ao mesmo tempo. As pessoas que tinham mais de sessenta anos entraram em falência respiratória e todos os outros apresentaram sintomas leves da doença. Descobriu-se, então, que cem por cento dos humanos estavam contaminados pelo vírus. O que ninguém sabia era que essa contaminação estava programada há mais de dez anos e foi um processo bem articulado.
O planeta Akreon, distante alguns anos luz da Terra, estava em risco de explosão e fim da raça, além disso, estavam todos correndo o risco de morrer de fome. Como era um povo muito evoluído, a melhor solução seria habitar outros planetas. A Terra foi um dos últimos a ser escolhido. A cúpula do planeta e todos os ministérios demoraram a aceitar a escolha exatamente pela população que vivia no planeta e que seria o maior empecilho.
A solução para isso seria mandar alguma doença, alguma infecção que para eles não causava nenhum mal, mas que para os humanos seria fatal. Enquanto os vírus infectavam as pessoas, a radiação invisível aos radares terrenos diminuía a imunidade dos habitantes do planeta Terra.
Outubro chegou com metade da humanidade morta e a outra metade doente. Ficaram todos em confinamento obrigatório dessa vez. Esse confinamento foi imposto pela fraqueza muscular, febre, dor no corpo e sonolência. O mundo dormiu quinze dias.
O primeiro a acordar achou o ar estranho, parecia mais pesado, mas também não se importou de estar maior e mais avermelhado que antes. Aos poucos a população jovem do planeta acordou e foi recebida nas praças do mundo inteiro pelos atuais donos do planeta Terra: os Akreonianos. Eram extraterrestres enormes e vermelhos. Falavam a língua do seu planeta e o mundo, nesses dias, aprendeu a língua, aprendeu a obedecer, esqueceu sua vontade de viver e esqueceu o passado.
O mundo estava diferente e a população não teria condições de perceber isso. Estavam todos dominados e programados para serem escravos do invasor.
A mutação genética continuaria sendo feita pela radiação constante que era emitida sobre o planeta inteiro.

Em alguns anos, os animais da terra e das águas sofreram mutações genéticas e se adaptaram às novas condições climáticas impostas pelas enormes usinas colocadas em pontos estratégicos. O ser humano continuou seu processo de mutação e se reproduzindo com genes modificados. Os animais, todos foram modificados e novos monstros apareceram. A população humana vivia menos e não passava dos trinta anos de existência devido às condições de vida e de trabalho.
O mundo em 2050 deixou de ser lindo. João X56 nunca conseguiria imaginar como era o planeta Terra antes da Pandemia.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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