O PACTO – CAPÍTULO XII – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O PACTO – CAPÍTULO XII

Dentro da igreja, Selma começava novamente a se inquietar. Há quanto tempo estavam ali? Ela não sabia. Ninguém mais usava relógio de pulso e os celulares estavam todos paralisados. O relógio que tinha na parede ao lado do altar estava parado ao meio-dia. Será que todos estavam ficando loucos? O que será que estava acontecendo lá fora? Eram perguntas que eles não tinham como responder. O padre, ajoelhado em frente ao altar, pedia perdão a Deus pela sua insegurança e por alguns pecados do dia a dia. Trazer aquele espírito para a luz lhe deu novas esperanças. Ele queria voltar aos anos de ordenação, quando sua fé era inabalável.
Selma rezava com os filhos. O tempo não passava lá fora, mas ali parecia uma eternidade. Há quanto tempo eles não se alimentavam? Não bebiam água? Ela se levantou de onde estava buscou água para todos. Sentou-se no chão, colocou a cabeça de Marcelo no colo e lhe deu pequenas porções de água. Não poderia ser muito. Ele estava em coma? Nem ela sabia. Molhou os lábios do filho e pediu a Deus que ele estivesse bem. Uma lágrima desceu pelo seu rosto. Ela achava que não tinha mais lágrimas para chorar. Já havia chorado naquele dia, um oceano de água salgada. Riu da bobagem que pensou e olhou para o rosto sereno do filho que vivera praticamente uma vida inteira doente e sem vida. Ele estava tão bem nos últimos anos. Era atleta. Era bom aluno. Era bem melhor que os outros dois. Repreendeu-se por pensar assim. Olhou para seus dois outros filhos e sentiu que era uma mulher feliz por ter três filhos que amava tanto. Era uma mulher feliz por ter um marido que amava tanto. Fechou os olhos e pensou com toda a força do seu coração: “Estêvão, eu te amo tanto”.
Abriu os olhos e olhou novamente para Marcelo. O rapaz abriu os olhos e sorriu para a mãe. Estava livre da possessão demoníaca que sugava sua energia.
_ O que estou fazendo deitado aqui?
_ Você passou mal, querido. Você deve ter ficado com fome e desmaiou.
_ Estou de volta. Papai ainda não voltou?
_ Não, querido, mas não demora.
Os irmãos estavam felizes por ter Marcelo de volta e Selma sorria sem parar.
Marcelo se levantou e também se juntou aos irmãos para rezarem pelo pai.
Arcanjo estava incomodado com a ida de Augusto para o inferno. Com o tempo parado, tudo parecia imediato e parecia durar um século. Será que havia um século que eles foram para o inferno. E se não voltassem? Arcanjo olhou para cima, era o único jeito de ver o céu já que ao redor havia só fogo e fumaça negra. Pediu ao Pai clemência para resolver da melhor forma aquela confusão toda. Não sabia mais se era inferno no inferno ou na cidade de Juiz de Fora que ardia em chamas. Ele olhou ao seu redor. Não havia como acabar com aquele fogo todo e, provavelmente, aquele inferno iria abraçar o mundo todo e seria assim o fim do planeta: no fogo. Pediu a Deus que desse proteção aos humanos dentro da igreja. Pediu a Deus proteção para Augusto e Estêvão dentro das labaredas do inferno. Ele ficaria ali com sua espada flamejante enquanto fosse preciso, enquanto nada se modificasse.
Estêvão e Augusto desceram nas galerias do inferno procurando. O anjo foi o primeiro a ver. Ele viu acuado em um canto, morrendo de medo, sem saber onde estava, o pai de Estêvão. Mostrou ao patrão e ambos se aproximaram do velho. Ele estava lúcido. A doença que tinha enquanto vivo que tirava sua lucidez, no inferno, não existia. Estava lúcido para sofrer mais. Augusto pegou o corpo magro e ressequido do velho e o protegeu com suas asas. Estêvão não tardou a encontrar a mãe nas mesmas condições. A velha chorava de medo e tristeza. Ela não sabia onde estava, mas temia estar no inferno. Como o marido, ela também havia se matado. Lugar de suicidas é no inferno – pensava sempre ela. Era assim que foi criada na igreja católica que seus pais frequentavam. Ela estava apavorada. O Estêvão que viu, foi o seu filho amado. Ela não se importou se ele tinha asas. Ele era lindo como ela sempre achou que era. Papel de mãe: sempre achar o filho lindo. Mesmo no inferno! Mesmo ele sendo um demônio. Mãe é sempre mãe!
Estêvão abraçou a velha que se sentiu protegida e como Augusto levantou voo subindo entre as paredes infernais. Vários demônios lançaram raios de fogo. Tentaram impedir a subida dos quatro, mas eles estavam convictos e fariam tudo de novo.
Rodeando a igreja inquieto, Arcanjo viu o portal do inferno se abrir. Augusto saiu com o senhor Jair e logo após saíram Estêvão e a mãe.
O Arcanjo prontificou-se em fechar o portal para evitar que a legião de demônios que os perseguia passasse para o mundo exterior.
Augusto e Estêvão se despediram dos velhos que foram levados para um lugar mais iluminado por anjos que os vieram buscar. Augusto teve certeza de que no fundo daquele corredor de luz sua mãe acenava para ele. Ele sorriu. Deixou rolar uma lágrima e caiu no chão na frente da Catedral. O corpo de Estêvão estava a dois metros dele.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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