O PACTO – XI CAPÍTULO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O PACTO – XI CAPÍTULO

_ Eu vou atrás dele – gritou Augusto.
_ Não vá – intercedeu o Arcanjo. – Você não pode ir ao inferno.
_ Mas eu preciso tirá-lo de lá – retrucou o anjo que estava desesperado pela decisão de Estêvão. – Eu não vou perdê-lo.
O arcanjo vendo quão decidido estava o gerente do restaurante que voava sem uma direção definida, resolveu ajudá-lo e lhe disse:
_ Eu vou abrir o portal. Agora você tem que se lembrar sempre que lá, você estará sem a minha proteção. Eu não poderei fazer nada por você e seus poderes não são páreo para o que você vai encontrar lá dentro.
_ Eu preciso ir – insistiu Augusto.
O arcanjo voou um pouco mais alto de onde estavam e com sua espada resplandecente, abriu um portal de energia vermelha. O calor de fora, do grande incêndio da cidade era o mesmo calor que veio do inferno.
Augusto não pensou duas vezes e se jogou para dentro daquela abertura oval criada pelo outro defensor da Catedral. O portal se fechou à passagem de Augusto. O arcanjo voltou à sua ronda ao redor da igreja que permanecia protegida do fogo que nunca pararia de queimar naquela região do centro da cidade e que se espalhava destruindo tudo. Com o tempo parado, não se poderia apagar tal incêndio. Não haveria como interromper nada.
Dentro da igreja Selma sentiu quando Estêvão se lançou no inferno. Ela chorou mais forte e os filhos, ignorando a ação do pai, apenas a abraçaram.
_ Vai ficar tudo bem, minha filha – o padre a acalentou. – Vai ficar tudo bem.
Ele saiu andando pelo adro da igreja, repetindo para si mesmo que iria ficar tudo bem, mas ele tinha dúvidas. Achava que a qualquer momento alguém poderia derrubar a porta da Catedral e matar todos eles. Ele tinha muitas dúvidas. Andou um pouco mais e viu uma figura negra no mezanino sobre a porta principal. O espírito sem luz o encarou e ele percebeu que estava fraquejando na certeza que tudo iria dar certo.
Olhou para o ser errante e conversou com ele:
_ Meu amigo, venha para cá – ele falava de olho no ser que estava nas trevas. – Nós todos podemos ajudá-lo.
O espírito parou e olhou diretamente nos olhos do padre. Ele queria matar o padre porque o padre o estava vendo. Ele se sentia descoberto. Estava há anos dentro das paredes daquele templo com uma infinidade de outros seres e nunca ninguém os tinha visto. Talvez fosse porque estava acontecendo um fim do mundo lá fora. O espírito das trevas também não se aventurou a ver o que acontecia fora dos muros da igreja.
O padre Jonas insistiu:
_ Venha para cá – abriu os braços mostrando os espíritos iluminados à sua volta. – Vamos rezar juntos.
A silhueta do espírito começava a se delinear como se estivesse saindo de uma escuridão para um lugar de penumbra. Ele estava ouvindo pela primeira vez alguém lhe oferecendo alguma coisa. O rosto do jovem que morreu aos vinte e três anos, definiu-se na luz que vinha do altar da igreja e ele sorriu. Um espírito que estava ao lado do padre resolveu ir buscá-lo e ele, a princípio, arredio, se escondeu na escuridão do lugar. O anjo que apareceu ali esticou a mão e esperou. Timidamente, ele foi saindo da escuridão e aparecendo na luz do lugar. Viram todos nessa hora que não havia eletricidade dentro da igreja. Toda a luz que iluminava o lugar era proveniente dos anjos que guardavam cada centímetro daquela construção. A perda da torre era motivo de tristeza e somente aconteceu porque ainda não haviam feito a redoma de energia.
O espírito desceu de mãos dadas com o anjo e o padre, suando frio, redobrou sua fé e juntou-se novamente à família para rezar. Marcelo era o único que estava alheio ao perigo que estavam passando. Mas depois que o padre se concentrou em rezar pelo rapaz, ele estava mais calmo e os símbolos demoníacos começaram a desaparecer do seu corpo. Quando o emissário do inferno fechou o portal, parou de utilizar a energia de Marcelo e ele estava se recuperando da drenagem vampírica de sua energia.
Entrar no inferno não é uma coisa muito agradável. Augusto percebeu isso quando entrou e sentiu um calor que, mesmo dentro do maior incêndio que jamais houvera visto, nunca sentiu. Ele andou por um caminho estreito que era feito de fogo e escuridão. Ouvia gemidos, choros, gritos, mas não sabia de onde vinha aquilo tudo. Ele estava no caminho certo? Também não sabia, mas era o único lugar que lhe ofereceram para andar. Percebeu que estava andando. Suas asas estavam recolhidas e ele estava vestido de branco que, àquele calor e fogo, parecia alaranjado. Ele precisava encontrar Estêvão onde quer que ele estivesse. Ousou chamar por ele, mas o barulho era imenso e sua voz não fez diferença. Talvez, se chamasse com a mente, com o coração conseguiria encontrá-lo. Pensou no patrão. Pensou firmemente no homem que o empregava e que ele não queria perder no fogo do inferno. O calor estava ficando insuportável. Ele suava. Sorriu pensando que até anjo transpira. Ele não podia desistir. Não iria deixar Estêvão se tornar um demônio. Continuou seu caminho e ao chegar à beirada de um imenso abismo viu que em várias galerias, almas e demônios se debatiam. Almas estavam presas naquele forno à lenha para sempre e viu anjos do mal que as mantinham prisioneiras. Dor e sofrimento. Choro e ranger de dentes. Ranger… ranger… ele se virou a tempo de se desviar de um demônio vermelho e incandescente que vinha rangendo os dentes – seriam mesmo dentes – e queria jogá-lo no abismo. O demônio passou e ele ouviu a voz de Estêvão:
_ Saia daqui, Augusto. Saia enquanto você pode.
_ Só saio com você, Estêvão – gritou o anjo de volta firme e alto.
O som da voz de Augusto fez com que Estêvão diminuísse a sua raiva e olhasse para o gerente de sua loja. Ele pensou no empregado. O restaurante sempre foi um lugar que primou pela excelência e pela organização. Quem fez isso foi Augusto. Estêvão nunca soube administrar nada. Mesmo com a influência maléfica para dar certo, o lugar só prosperou por causa do gerente. Ele era uma pessoa boa e estava se arriscando por ele. Ele estava destruindo a cidade e, ainda assim, havia alguém que foi aos quintos do inferno buscá-lo.
_ Estêvão, sua família ama você – voltou a falar o anjo que não desanimaria.
_ Eu amo minha família – respondeu Estêvão. – Foi por eles, somente por eles, que eu fiz tudo isso.
_ Eu sei – voltou Augusto. – Eles também sabem.
_ Eles sabem? – perguntou ele.
_ Sim. Eles sabem e amam você mesmo assim
_ Eu não sei… – titubeou o possuído. – Eu preciso da sua ajuda.
_ Claro! – prontificou-se Augusto.
_ Então venha!
Estêvão abraçou o anjo assustado e se jogou no abismo do inferno.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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