RG ANTIGO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

RG ANTIGO

Quase não pude viajar em julho para a Argentina.

Não contei isso ainda, mas a ideia de passar uma semana na Argentina, incluindo o aniversário da Angela foi muito abrupta.

Primeiro queríamos ir para a Itália fazer o que mais gostamos naquele país: andar à toa e ver coisas lindas, andar sem rumo e descobrir lugares que jamais supomos existir, andar perdidos nas ruas e falar muito italiano com nosso povo de lá. Achei que seria impossível fazer isso já que ela iria se submeter a cirurgia de coluna em abril, artrodese de quatro vértebras, placas, parafusos, enfim, deixamos de programar a viagem. Depois da cirurgia, vimos que dava para fazer algo menor, mas não tão pequeno. Como amamos Buenos Aires, arrumei tudo e nos aprontamos pra viajar.

Arrumar tudo, pra mim, pra viajar é: sentar à frente do computador, comprar passagens, reservar hotéis de acordo com o tempo que queremos ficar em cada cidade e partir sozinhos, cheios de gás para conhecer detalhes de tudo do país onde vamos. Gostamos de história – museus todos -, gostamos de arte, arquitetura, moda, língua, culinária e, principalmente, gostamos de gente. É um prazer imenso chegar em outro país e conhecer os nativos e falar a língua deles!

Partimos para o Galeão e quando eu fui fazer o check in o recepcionista da companhia aérea não aceitou minha carteira de médico.

_ Eu só uso essa carteira no Brasil todo – argumentei.

_ Passaporte? – pediu ele.

_ Está em casa, está vencido e nem trouxe – expliquei.

_ Só viaja com RG – definiu ele.

_ RG está em Juiz de Fora – eu desanimado no Aeroporto Internacional Tom Jobim, vulgo Galeão, no Rio de Janeiro.

_ Tem como alguém trazer? – perguntou ele.

Pensamos em um jeito e trocamos o horário da passagem para seis horas mais tarde e começamos a resolver o que fazer. Entre outras, pedi a minha empregada que fosse à minha cassa e pegasse na primeira gaveta da escrivaninha do “claustro” – minha biblioteca -, uma carteira e dentro dela encontraria o meu RG. Contatamos o marido da minha cunhada para levar de carro a “bendita” carteira ao Rio.

Ficamos andando pelo aeroporto, almoçamos, vimos muitas coisas interessantes e aguardamos a chegada do documento. Enfim, chegou!

Voltei ao balcão de emissão do bilhete e outra vez uma complicação:

_ Precisa ser um documento com no máximo dez anos de expedição – disse a mulher que me atendeu.

_ Mas só tenho essa – respondi.

_ Passaporte?

_ Vencido!

_ Outro documento?

_ Carteira de médico.

_ Não serve pra viajar.

_ Que posso fazer?

_ Vou ver – disse-me ela educadamente.

Saiu da cabine e foi procurar algum fiscal ou algum responsável que pudesse me enviar ora Buenos Aires. Enfim, depois de tantas idas e vindas, alguém resolveu deixar que eu embarcasse com a seguinte advertência:

_ Pode embarcar, mas pode acontecer de não deixarem você entrar no país lá e te mandarem de volta.

Resolvi arriscar, afinal era a viagem de aniversário da Ângela e eu queria que fosse tudo bem. Ela já estava estressada de ficar horas no aeroporto na dúvida de viajar ou não. Embarcamos à noite. Precisei também telefonar para o hotel em Buenos Aires para confirmar que eu chegaria tarde.

Chegamos à alfândega de entrada: estresse! Entra ou não entra? E aí? O sujeito lá olhou a carteira e olhou para mim e olhou para a carteira e olhou para mim e novamente para a carteira, olhou para a minha carteira de médico e me autorizou a entrar na Argentina.

Passamos uma semana ótima. Posso contar depois. Mas aí, novamente o estresse de voltar. Viagem de Buenos Aires até o aeroporto e etc e check in de passagem e alfândega. O argentino que estava no guichê que eu passei olhou para o RG, olhou para mim, olhou para o RG e olhou para mim, novamente olhou o RG, olhou minha carteira de médico e me disse:

_ Quem deixou você entrar?

_ Uai – mineiro é mineiro até falando espanhol – deixaram.

_ Se eu estivesse na entrada eu não deixaria você entrar com esse documento – finalizou.

_ Mas é que no Brasil eu só uso a minha carteira de médico e por isso não achei que precisasse renovar o RG e a viagem foi para o aniversário dela – apontei para a Ângela ao meu lado. – Vou resolver isso lá.

_ Isso é relaxamento, falta de atenção, se fosse eu, você não entraria. Precisa ter o RG no máximo com dez anos de validade. Pode passar.

Passamos, entramos no avião e eu falei pra Ângela:

_ Dez anos de validade o RG.

_ Quantos anos tem o seu? – perguntou ela.

_ Quarenta – mostrei pra ela a foto do adolescente cabeludo e de bigodes – que nunca usei além daquela semana quando tirei a foto para fazer o RG – e morremos de rir.

Já providenciei a nova carteira e também vou renovar o passaporte.

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Artur Laizo Escritor

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  • Documentos masculinos sempre serão problemas: cabelos brancos, calvície, bigode e ou barba de época, óculos, pele do rosto a que nunca viu protetor solar e outras coisa. As mulheres fazem de tudo para sempre manterem a mesma carinha da primeira foto da carteira de identidade.

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