E aí aquele amigo me perguntou, passando por mim, na rua:
_ Tudo bom?
Tudo bom nada, pensei, estou indo trabalhar todo de branco nessa chuva que não para e não cai de vez, estou cansado de tanto correr de um lado para o outro nesse calorão infernal e não posso morar dentro de um iceberg, queria poder parar e jogar as pernas pra cima e não me culpar de ficar três minutos a toa, estou duro e quanto mais me esforço mais contas me aparecem, talvez com fome, mas só poderei comer o pastel horrível da cantina mais tarde quando parar para respirar se nesse momento nenhum dos meus pacientes parar de respirar, estou cheio de dúvidas quanto ao que fazer quando chegar em casa, se der tempo de ir em casa ver a minha família e se a família tiver tempo de me ver quando eu for lá, estou suando como se estivesse numa sauna, mas na realidade estou vestido e no meio da rua, aflito por estar quase atrasado, mas se não me aflijo atraso mesmo, quero chegar o mais rápido possível ao local de trabalho e sei que me aborrecerei com o caos burocrático que virou a medicina atual, mas se não chego na hora quem me aguarda se aborrecerá com o meu atraso como sempre me aborreço com o atraso de quem me rende, preciso correr mais que o mundo já que a inefável massa humana é patética e, ou lhe sobra o tempo que não tenho ou lhe falta o que fazer, não correrá nem de uma catástrofe, aliás a catástrofe que se implanta na minha vida talvez me fizesse correr do picadeiro horrendo, mas a peça ainda não acabou, o dia ainda não acabou e o meu iceberg não existe, queria estar dentro dele congelado, mudo, imutável pela eternidade não incomodando, não sendo incomodado…
Olho pro meu amigo que passa e respondo:
_ Tudo ótimo e você?
Claro que eu continuo correndo com medo de ouvir o que ele poderia dizer do que pensa!
_ Tudo bom! – ouço ao longe.
Esse conto é muito dolorido…
Dolorido? É uma correria do dua a dia. A vida é louca. Abraço.
Excelente! Retrata a realidade da rotina dos médicos . Gostei muito.
É a correria do dia-a-dia. Muita doidera.
Me lembrou o tempo que eu era representante comercial e precisava viajar para vender meus artigos na “praça” da região! Isto sim é que era terror!!!!
Tem dia que é assim mesmo.