J’ADORE LA FRANCE – O CORCUNDA DE NOTRE DAME – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

J’ADORE LA FRANCE – O CORCUNDA DE NOTRE DAME

J’adore la France!

Desde criança meu sonho sempre foi conhecer Paris, andar pelas suas ruas, conversar com as pessoas e, enfim, sentar na escadaria de Sacre Coeur e ficar horas observando “les toits gris de Paris”.

Como prêmio de minha conclusão do ensino médio, meus pais me deram uma viagem a Paris e fiquei deslumbrada com tudo. Eu era uma garota de dezoito anos que nunca havia viajado sem meus pais e estava ali, em Paris, pronta para conhecer tudo aquilo que eu havia lido nos livros de escola, visto na televisão e sonhado desde sempre em ver ao vivo e poder respirar aquele ar, tocar com as mãos aquela realidade.

O primeiro dia, claro, torre Eiffel, Trocadero e “les jardins de la Toullerie”. Eu estava definitivamente na França quando alguém me perguntou algo e eu prontamente respondi em francês. Uau, pensei, eu falo francês mesmo.

Passei a viver meus dias nas ruas de Paris. Andava por todos os lugares e tirava um monte de fotos. Ficava feliz em poder conversar com as pessoas e saber onde ir e o que fazer.

No oitavo dia de permanência na capital francesa, eu fui visitar “la Cathédrale de Notre Dame” que fica na “Île de la Cittè”. A obra arquitetônica é maravilhosa , é a mais antiga construção gótica do mundo, sua construção começou em 1163. Na frente da igreja existem magníficas as estátuas dos antigos reis franceses de três metros e meio, todos olhando para um mesmo ponto. Não sou muito de rezar, mas entrei na igreja, amei cada centímetro daquela obra de arte e saí depois de quase uma hora lá dentro. Eu me senti muito à vontade ali, era como se eu já estivesse estado naqueles bancos, naquela igreja.

Saí da igreja e havia uma roda de ciganos do lado de fora com suas roupas coloridas e sua alegria contagiante. Eles tocavam alguns instrumentos de corda, sopro e percussão que não identifiquei, mas o som da música me atraiu e eu fiquei por ali vendo-os tocar. Pareceu-me que alguns homens brigavam e um deles se aproximou de mim e me pegou pelas mãos. Eu fiquei muito assustada e gritei. Tentei me soltar, mas ele era mais forte que eu e me arrastou com ele para o grupo de ciganos que riam. Não vi mais nada. Acordei não sei quanto tempo depois sentindo dores no corpo e nos punhos onde o cigano pegou, mas eu estava bem. Não reconheci de imediato o local onde eu estava, mas estava deitada, confortavelmente em um monte de panos sobre um colchão macio. Olhei ao redor e estava tudo muito escuro, mas consegui ver um sino. Era o sino da Notre Dame. Eu estava em um salão grande na torre da igreja. Não estava entendendo nada, de repente me senti observada. Havia mais alguém ali observando o meu sono enquanto estive desmaiada e agora, observava cada gesto que eu fazia. Eu me assustei.

_ Não tenha medo – disse uma voz grossa masculina vindo da escuridão.

_ Onde estou? – perguntei, embora já soubesse.

_ Está segura aqui – respondeu ele.

_ Quem é você? – perguntei ansiosa.

_ Você não me reconheceu, Esmeralda?

_ Eu não sou Esmeralda – esclareci. – Eu me chamo Aline, sou brasileira, estou de férias por aqui…

_ Eu esperei tanto pra te rever, Esmeralda – disse ele saindo das sombras. – Quer dizer, Aline.

Eu me assustei ao ver o homem que saiu das sombras: um velho corcunda, com cabelos longos e desgrenhados, uma roupa velha e suja. Eu pensei no que via, pensei no nome que ele acabara de me chamar, Esmeralda, ele era Quasimodo, o corcunda de Notre Dame. Eu deveria estar ficando louca. Ele viveu naquela igreja a mais de quinhentos anos. Não poderia estar ali.

_ O que aconteceu comigo? Você é Quasimodo?

_ Sim, Esmeralda quer dizer Aline, eu sou Quasimodo. Eu salvei você do Frollo, salvei você do Frollo para ter você só para mim. Agora você voltou.

_ O que aconteceu lá na praça?

_ Os ciganos queriam raptar você. Levar você com eles, mas eu não deixei. Roubei você do chefe dos ciganos e você agora vai viver aqui comigo.

_ Mas eu não posso – tentei explicar, – eu não sou Esmeralda e não posso viver aqui. Eu preciso voltar para o Brasil.

_ O que é Brasil? – perguntou ele. – Nunca ouvi falar.

_ Meu país – respondi. – Você mora aqui na igreja?

_ Sim – respondeu ele. – Você é minha amada, Esmeralda quer dizer Aline. Eu esperei você por todo esse tempo.

_ Eu preciso ir embora – gritei com ele. – Não posso ficar aqui.

_ Você é a minha namorada, você vai viver comigo aqui para sempre – ele falava e se aproximava de mim com seu corpo torto e mancando da perna direita. Eu segui o Arquidiácono depois que ele matou o chefe da guarda Phoebus de Châteaupers e roubei você dele. Agora você só tem a mim.

Eu ouvi gritaria na frente da igreja. Quem estaria gritando? Eu estava apavorada. Eu queria fugir dali. Eu precisava me libertar daquele louco que estava naquela torre da igreja me esperando chegar a mais de meio século. O que fazer? Eu precisava achar a porta para sair daquela torre. Andei para trás e cheguei mais perto do sino. Olhei pra fora e Paris estava lá, mas onde estavam as luzes da cidade? Eu só via a praça e muitos ciganos na porta da igreja naquela noite de lua e estrelas. A altura era absurda, lembro-me, eram sessenta e oito metros, para se pensar em pular dali. Olhei de volta e não havia Paris. Não havia uma Paris de 2018. Eu voltei no tempo e estava em 1500. Eu estava vivendo a vida da Esmeralda. Só aí, então me dei conta que eu estava vestida com roupas coloridas, como uma cigana. Eu era a Esmeralda.

Mais alguém entrou no salão da torre da igreja e gritou com ele:

_ Quasimodo, você não pode manter a Esmeralda presa nessa torre – a voz imperiosa do militar chamou minha atenção.

O corcunda virou-se e viu o ar e viu o capitão da guarda Phebus que ele julgara morto e que fora encarregado de prender Esmeralda, de me prender no caso e levar-me até Frollo.

_ Você não pode roubá-la de mim – gritou Quasimodo.

Um ruído de asas, mas não seriam asas de penas, pareciam mais de pedra se fez ouvir. Nós três olhamos pela abertura leste do sino e uma gárgula nos observava. Eu gritei! Os homens me olharam e voltaram a discutir.

_ Eu matei o Frollo – explicou o capitão Phebus. – Ele não pode mais fazer mal a você, Quasimodo. Você pode estar livre daqui para frente.

Eu não entendia nada, mas sabia que Frollo mantinha o corcunda preso dentro daquela torre desde criança quando foi raptado dos ciganos. Ele não o deixou sair e ainda criou na sua mente a ideia de que os ciganos não gostavam dele.

_ Ninguém gosta de mim e eu gosto da Esmeralda – ele me olhou – quer dizer Aline.

_ Eu amo a Esmeralda, Quasimodo – disse Phebus. – Você pode sair da torre e ser muito feliz com o seu povo que grita lá embaixo e que quer você de volta para eles.

_ Não – ele gritou com o militar. – Ela é minha.

Ele deu um empurrão no homem a sua frente que caiu na escada da torre e olhou para mim.

_ Esmeralda – sorriu, um sorriso torto, poucos dentes, – você é minha.

Ele começou a andar em minha direção. Eu me afastava, mas em direção a qual janela da torre já que haviam três gárgulas nos acompanhando todo o tempo. Elas estavam vivas e eram amigas do Quasimodo. Havia uma abertura sem um daqueles seres mitológicos. Eu corri para lá e ele se aproximava. Eu podia sentir sua respiração de odor fétido. Se eu não estivesse com tanto medo, poderia ouvir as batidas do seu coração. Ele continuava andando em minha direção e já não havia mais aonde eu ir. Eu estava na beirada da torre e já podia ser vista por quem estivesse na praça. Os ciganos lá embaixo gritavam. Ele se aproximou mais e eu ameacei:

_ Se você chegar mais perto eu vou pular.

_ Não faça isso, Esmeralda quer dizer Aline. Você pode ser feliz aqui comigo.

_ Eu não quero ficar aqui – comecei a chorar. – Eu quero sair daqui.

Ele bufou mais forte e olhou para mim. Estava tão perto que pude ver seus olhos baços, quase cegos. Ele fedia a roupa suja e falta de banho, tinha mal hálito e eu comecei a ficar enjoada. Restava pouco o que fazer. Pensei mesmo em pular.

_ Saia de perto de mim, seu monstro fedorento – gritei e ele se assustou.

Vi uma lágrima se formar em seus olhos e senti seu coração partido pela decepção do amor que nutria por Esmeralda nesse tempo todo.

_ Se você não quer ficar comigo, não tenho porquê viver – ele abriu os braços e o cheiro desagradável aumentou. – Eu vou morrer, mas você vai comigo, Esmeralda quer dizer Aline.

_ Não faça isso, Quasimodo – gritou Phebus retornando ao salão da torre. – Deixe-a em paz!

_ Não – gritou ele.

Ele se aproximou mais depressa e se jogou praticamente sobre mim. Meus pés escorregaram e eu me lembro de cair da torre com aquele homem deformado e fétido agarrado a mim. Gritei como nunca. Gritei desesperadamente. Gritei tanto que acordei todos na casa que eu estava hospedada em Paris. A dona da casa acalmou a todos dizendo que eu havia comido escargot demais no jantar. Envergonhada, não consegui mais dormir.

No dia seguinte, pela manhã voltei a catedral e procurei por ele. Em uma pequena capela no interior da nave, senti o seu cheiro e pensei com toda força do meu coração que ele deveria seguir seu caminho espiritual em paz.

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Artur Laizo Escritor

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