O Dr. Epaminondas Leitão, sentado em seu consultório, plantão – a comida do almoço – comida de hospital – ainda na garganta, sonolência, mal-bem, bem mal estar, pensava na casa de praia que queria ter no campo, ou na casa de campo que talvez já tivesse desistido de ter… Plantão é fogo! Ficar à toa num plantão à toa e ficar nervoso e agitado num plantão tumultuado e louco. Precisava ficar mais duas horas e trinta e cinco minutos, na realidade, faltavam duas horas e trinta e cinco para as sete e ele ali parado, pensando que não queria pensar!
_ Doutor – avisou a secretária – temos uma consulta.
_ Ah, meu Deus! – pensou o médico. Ele na realidade não sabia se preferia ficar preso à toa ou ficar muito ocupado, o que não agradava era ficar preso. Mas, enfim: – Mande entrar, Lucinalva.
A paciente entrou, aliás entraram, pois o marido adentrou o recinto e o médico olhou o casal e viu a pose do marido e a mulher que, nariz vermelho, olhos lacrimejantes, tossia a mais não poder.
_ O que está havendo? – perguntou o médico. – Tudo bem?
_ Claro que não, doutor – respondeu o marido. – Se estivesse tudo bem, para que procurar o senhor?
_ Mas o que ela tem? – perguntou o médico.
_ O senhor é que tem que saber, o senhor é que é médico – respondeu o marido.
_ Tudo bem! – o doutor Epaminondas coçou a barba não feita naquele dia e continuou: – O que a senhora está sentindo?
_ Dor de cabeça, nariz escorrendo, febre, mal estar e tosse – respondeu o marido.
_ Meu senhor, por favor. Deixe que ela fale.
_ Fala aí, mulher!
_ Dor de cabeça, nariz escorrendo, febre, mal estar e tosse – repetiu as palavras do marido a enferma.
_ Desde quando?
_ Três dias – respondeu o marido que ao fulminante olhar do médico cutucou a esposa que repetiu:
_ Três dias!
_ E o que mais a senhora – reforçou o “a senhora” – está sentindo?
_ Muita tosse, doutor, tem hora que sai muito catarro…
_ Catarro verde – interrompeu o marido e o médico olhou para ele.
_ É, doutor – disse a mulher – verdinho, verdinho. E febre. Mas é um febrão.
_ Garganta dói, senhora? – perguntou o médico.
_ Não, a garganta não!
_ Que bom! O nariz?
_ Escorrendo que Deus dá! – responde o marido.
_ Doutor, eu não estou me alimentando. Dá muito enjôo.
_ E num tá grávida não – disse o marido.
_ Minha senhora, vamos aos exames. Por favor, tire a blusa de lã.
O médico se dirigiu para perto da paciente, estetoscópio em punho. Não aguentava mais, naquele inverno, atender problemas respiratórios… Pediu a senhora que respirasse pela boca enquanto ouvia-lhe as costas. E, se não mudava o estetoscópio de posição, ela não respirava e nada adiantava nada. De repente, ele pediu à senhora que lhe deixasse escutar na frente e ouviu um grito horrorizado do marido:
_ Nos peito da minha mulher ninguém toca!
_ Que isso, meu senhor, eu preciso examiná-la – justificou-se o médico.
_ Nos peito não!
_ Mas, senhor… – disse o médico.
_ O senhor gostaria se um homem passasse as mãos nos peito da sua esposa, seu médico? – perguntou o homem.
_ Claro que não! Mas eu não estou passando a mão, eu estou examinando…
_ É a mesma coisa! Tirando uma casquinha.
O médico não sabia mais o que dizer e olhava o casal sem saber como agir. Precisava auscultar-lhe o peito, mas ao mesmo tempo não tinha esse acesso. O marido olhava para ele como quem queria voar-lhe no pescoço.
_ A senhora está tossindo muito? – perguntou o médico.
_ Sim – respondeu o marido.
_ A senhora está tossindo muito? – perguntou o médico nervoso.
_ Sim – respondeu a mulher.
_ Dor no corpo?
_ Sim – o marido.
_ Sim – a mulher.
Ele estava atônito. Por que trocara aquele plantão com o colega que queria ir para o nordeste? Na certa estaria na praia, no sol, cheio de mulher bonita…
_ O que ela vai tomar, doutor? – perguntou o marido.
_ Praia, sol, mu… quer dizer – gaguejou o médico – eu vou prescrever. Nos peito não? – ainda insistiu.
_ Nos peito não – respondeu o marido.
_ … – respondeu a mulher.
O médico aferiu-lhe a pressão, sentou-se e prescreveu a medicação justa, talvez até pecando pelo excesso e liberou o casal. Não conseguia acreditar que aquele fato tivesse acontecido em pleno inverno de 1996, fim de século… Mas como tudo pode acontecer, olhou o relógio e o tempo de suplício no hospital estava quase. Saiu da sala e acabou rindo sozinho: “nos peito não!”
Maloca Querida. 1998:57-61
Foto: http://saudeexperts.com.br/ausculta-pulmonar/
Ainda é realidade
Ri muito! Gostei imenso! Acredito que nos dias de hoje ainda encontramos pessoas assim. Parabéns!
Com certeza!
Mto bom – vivo, dinâmico, bem humorado.
Muito obrigado. Situações engraçadas que passamos e geram muita fantasia.