AS BRUXAS – TERCEIRO CAPÍTULO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

AS BRUXAS – TERCEIRO CAPÍTULO

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Na mesa as velhas emanavam uma luz amarela que iluminava toda a casa. Continuavam cantando e falando coisas que JP não entendia muito bem. As velas tremiam com os gestos que as bruxas executavam para orar, para emitir alguma emoção mais forte. As taças foram repletas de vinho e água e Maria da Dores colocou as mãos por cima delas e as benzeu com uma oração antiga. Tomou um gole do vinho e o passou a sua direita. A mulher da direita repetiu o gesto e passou o vinho para a sua direita até essa taça vazia chegar de volta na primeira mulher.

Ela despejou no caldeirão mais daquele óleo perfumado e jogou dentro um fósforo aceso. O caldeirão se acendeu e uma fumaça escura subiu da mesa em direção ao teto da sala. Uma energia forte e ruim estava presente. A fumaça se tornava mais densa e começava a tomar forma de uma entidade negra. Será o pai delas? Perguntou-se JP. Se o pai aparecesse ali ele iria realizar o que elas estavam planejando. Ele poderia acabar com isso? Será que apagando o fogo do caldeirão ele conseguiria evitar que o espírito mal aparecesse ali?

JP não pensou duas vezes e pé ante pé, foi à pia da cozinha onde havia duas chaleiras, uma com café e outra com chá e pegou uma delas e correu para a sala e despejou o conteúdo do chá dentro do caldeirão que parou de pegar fogo e a fumaça acabou. Desapareceu a energia negativa que saia do caldeirão e desapareceu na mesma hora, o transe das velhas que olharam para o moleque assustadas.

– O que você está fazendo, JP? – perguntou a avó do garoto agora com os olhos azuis de volta às faces.

– Eu tenho que salvar vocês da coisa ruim – respondeu ele afastando-se da mesa.

– Que coisa ruim? – perguntou Maria da Penha.

– O espírito que quer matar a nossa família – disse o menino.

– Que história é essa? – perguntou Maria da Conceição.

– Vocês estavam falando em dominar o mundo e matar todas as famílias – disse o menino aos prantos. – Eu tinha que evitar isso.

– Eu não sei o que você está fazendo aqui – disse Maria das Dores. – Seus pais não vão gostar nada disso.

– Mas vó – disse ele, – eu evitei que o monstro aparecesse aqui.

– Não era o monstro, meu filho – disse Maria da Paz mais calma que as outras. – Tudo não passa de uma brincadeira.

As outras mulheres riram também quando ela disse isso.

– Não temos como chamar um ser ruim para aparecer aqui – riu Maria da Conceição.

– Acha mesmo que somos bruxas? – perguntou Maria do Rosário olhando para o garoto com um olhar que o fez se encolher.

– Não, claro que não – gaguejou ele para falar.

– Então vamos para a segunda parte do nosso ritual – disse Maria das Dores. – Vamos tomar nosso café. Chá não vai ter – disse olhando o caldeirão cheio de chá e a toalha toda molhada.

Riram mais e Maria da Paz apagou as velas da mesa. Cantou algum ponto e retirou da mesa todos os objetos que compunham aquele altar para aquele ritual. Tirava um elemento e o colocava sistematicamente em um lugar. Repetia a ação e enfim, a mesa estava vazia e seca. Maria do Rosário colocou nova toalha na mesa, aproximou uma sexta cadeira e sentaram-se todos à mesa.

JP pode comer da broinha da avó no mesmo dia em que fora feita. O sabor era outro. Ele comeu uma, duas, um pão de queijo, dois, tomou um suco de laranja que lhe fora servido por uma das velhas e relaxou. Relaxou tanto que dormiu.

Maria do Rosário ajudou Maria das Dores a colocar o menino no sofá e voltaram a se sentar em volta da mesa. Ainda tinham coisas a tratar e um ritual para salvar. Deram-se as mãos. A luz da sala foi apagada pela mente de Maria da Paz. Os olhos das bruxas voltaram a cor cinza brilhante. A energia amarela tomou conta da sala.

JP andava por um lugar estreito e comprido. Sentia frio e sentia medo. Queria voltar para trás, mas não lhe era permitido voltar. Ele andava cada vez mais depressa em direção a uma luz amarela que conseguia ver no fim daquele caminho. Enfim, ele entrou em uma sala ampla toda iluminada e a sua frente estava um trono escuro com uma figura sentada. Os olhos do ente a sua frente brilhavam vermelhos no escuro e uma voz grave lhe disse:

– Você agora será o encarregado de me trazer de volta a vida. Através de você mais tarde, eu vou voltar e vou dominar o mundo.

JP sentiu um arrepio no corpo e muito medo. Estava diante do espírito que iria aparecer para as velhas? O que ele tinha a ver com tudo isso? Como ele iria trazer o espírito de volta a vida?

Mexeu na sua cama e acordou com a avó ao seu lado lhe dizendo:

– Bom dia – ela sorriu. – Sobraram broinhas do chá ontem. Está na hora de você acordar e vir comer.

– Eu estou em casa? – perguntou ele.

– Claro – respondeu a avó. – Onde poderia estar?

Os olhos da velha se tornaram cinza e brilhantes quando ela se levantou para se dirigir à cozinha, mas JP não viu. Ninguém viu!

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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