CRIME OU ACIDENTE? – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

CRIME OU ACIDENTE?

O PACTO – PARTE 2

O senhor Jair se levantou da cama no escuro, ainda não eram cinco horas da manhã e não fez nenhum barulho. Descalço, saiu do quarto, pé ante pé para não acordar a esposa, setenta e dois anos, apenas três mais nova que ele, mas ela andava debilitada e ele não queria incomodá-la. Andou pela casa no escuro e foi até uma escada ao final do corredor que levava para o terraço da casa, quatro.andares acima. Ele mesmo nunca entendeu porque fizera uma casa tão grande.
Não havia uma luz, o dia ainda demoraria para dar sinal de claridade e ele não acendeu nenhuma lâmpada no seu caminho. Chegou ao terraço e caminhou até a beirada dos fundos da casa que deixava ver um terreno em declive e cheio de material recolhido nas ruas, um verdadeiro ferro-velho. Ele caminhou em silêncio e sem parar para ver coisa alguma – ele não estava mesmo vendo nada -, precipitou-se no vazio e acabou tendo o corpo perfurado por barras de ferro que esperavam aquele velho aglomerado de carne, pele e osso. Ele não viu quando a vida deixou seu corpo. Ele não sentiu, quando sua alma foi sequestrada por forças escuras que o levaram até ali.
Ester, mulher de Estêvão entrou na cozinha e ainda sentiu o cheiro de enxofre que impregnava o local. O cheiro passou rápido, mas ela observou o marido parado.à mesa como se estivesse hipnotizado. Aproximou-se e chamou por ele. Ele, assustado, deu um pulo no banco.da cozinha e sorriu.ao ver a esposa.
_ Ah! É você? – sorriu para a companheira de dez anos.
_ O que houve com você? – perguntou ela. – Perdeu o sono?
_ Sim! Não sei o que houve.
_ Preocupado com quê, meu bem? – perguntou ela passando a mão em seus ombros. – Você precisa relaxar. Nós vamos dar um jeito nas dívidas.
_ Claro que vamos – concordou ele convicto.
_ E parece que nosso filho.melhorou um pouco – ela sorriu outra vez, olhando para o marido – eu não sei o que houve.
_ Nem eu – mentiu ele. – Eu estou bem. Parei aqui e nem fiz café. Como não fiz?
_ Não se preocupe! – ela se adiantou para o fogão e começou a preparar o desjejum da família.
O telefone tocou e ela mesma atendeu.
_ Alô.
Uma voz grossa de homem perguntou se era da casa de Estêvão e quando Ester confirmou, continuou dizendo que o pai de Estêvão estava morto.
_ Mas como morto? – perguntou Estêvão tomando o telefone da mão da esposa e perguntando diretamente ao policial.
_ O senhor Jair caiu do terraço e foi empalado com alguns vergalhões que estavam no quintal.
_ Mas não tinha o que fazer? – perguntou o filho desesperado.
_ Não, senhor. A queda deve ter sido por volta de cinco horas da manhã e o corpo foi descoberto.pela vizinha do lado às seis e meia. São seis e quarenta e cinco e, após falar com sua mãe, o senhor é a primeira pessoa a quem nos dirigimos.
A ligação foi concluída com orientações para que Estêvão fosse à delegacia prestar depoimentos e procedesse à liberação do corpo no IML. O rapaz estava boquiaberto, assustado.
A entrada eufórica do filho que esteve doente por tanto tempo, o fez ver que tudo começava a se encaixar e não era essa a ideia que ele tinha sobre a conversa com o inglês que o ajudaria a se dar bem na vida.
_ Quero brincar na rua – pediu a criança.
_ Só depois do café da manhã e estiver forte e bem – brincou Estevam.
A criança que sempre que comia um pouco a mais passava mal e quase morria, tomou café com leite e pão com manteiga e queijo tipo “Minas Frescal” que era o preferido do pai.
Não sentiu nada. Ao contrário do que ocorria todos os dias, o menino saiu correndo pela casa para acordar os irmãos. Os três, após se alimentarem bem, saíram pela porta dos fundos para o quintal.
_ Meu Deus! Esses meninos vão se machucar lá fora – gritou Ester.
_ Não vai nada, mulher. Aliás, a partir de hoje, nada de ruim vai acontecer com nossa família. Estamos bem. Deixe as crianças. Preciso tomar banho e resolver essa coisa da morte do meu pai.
Ele deixou a cozinha e foi ao banheiro para tomar banho. Ao abrir a porta sentiu o mesmo cheiro de enxofre que o acompanharia por muito tempo.

Sobre o autor Ver todas as postagens

Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

4 comentáriosDeixe um comentário

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados *