D. CLEUZA – QUARTO CAPÍTULO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

D. CLEUZA – QUARTO CAPÍTULO

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IV

Tenente Gilberto voltou ao local do crime no dia seguinte e examinou cada parte do cômodo detalhadamente. Sabia que ali estaria a resposta que ele precisava obter. Olhou o altar de D. Cleusa onde havia imagens de santos da igreja católica e imagens de entidades de umbanda, oferendas como colares e brincos, velas acesas e apagadas, sal, alguma taça com liquido, poderia ser água, poderia ser vinho em uma outra. Observou a toalha da mesa, branca como poucas vezes vira algo tão limpo e as diversas manchas de sangue que mostravam terem sido lançadas em jatos no ato do degolamento. Olhou ao redor do cômodo e observou que o mesmo não era limpo há muito tempo. Havia bolor e mofo nas paredes, mas teias de aranha no teto de muitos anos. Uma única janela parecia que nunca fora aberta. Ele se aproximou da janela e tentou observar se poderia ter entrado alguém por ali. Viu que a janela fora aberta recentemente. Tiveram que fazer força para abri-la devido ao tempo que não era aberta. Gilberto abriu a janela e olhou para fora. Ninguém passara ali. A janela dava para um espaço entre casas que não era utilizado por ninguém. Ele vasculhou com o olhar e viu caída a poucos metros uma faca suja de sangue que poderia ser a arma do crime. Precisava pegar aquela arma. Pediu ao soldado que o acompanhava para pega-la e encaminhou para o laboratório.

Dentro do cômodo ainda havia mistérios que ele não vira. Levantou a toalha da mesa e viu debaixo da mesa mais sujeira de anos, restos de velas que foram apagadas e jogadas ali, panos que poderiam ser roupas ou toalhas, ou qualquer outra coisa. Observou mais de perto e viu que havia ali outra faca suja de sangue. Duas armas do mesmo crime? Qual poderia ser a verdadeira? Chamou o guarda e mandou que levasse mais uma peça para exame no laboratório.

Saiu do quarto de reza e, na sala, encontrou as pessoas que pedira para conversar com ele naquele dia. O rapaz que encontrara o corpo, Fábio estava sentado a direita de Magali. A filha mais velha da benzedeira tinha os olhos fundos e marcados de chorar. Era uma mulher de quarenta anos, bonita e forte, mas estava destruída pela morte da mãe. Ao seu lado esquerdo estava sentado, não menos triste que a irmã, Sebastião, filho mais velho de quarenta e cinco anos que era também o secretário da casa, o marcador de consultas espirituais e o coordenador de tudo. No dia da morte ele não estava em casa.

Mais ao canto, longe de todos, José Antônio, filho mais novo da benzedeira parecia que estava em mais uma de suas viagens causadas pela droga. Via-se na sua cara o estrago do crack usado diariamente.

_ Alguém tem algo a dizer? – perguntou o tenente Gilberto.

_ Eu sinto muito que tudo isso tenha acontecido – disse Sebastião, – principalmente em um dia que tive de me ausentar.

_ Por que você teve de se ausentar? – inqueriu Gilberto.

_ Uma vez por semana eu tenho que ir a bancos depositar dinheiro, pagar contas, comprar alimentos. Coisas normais.

_ E quem fica no seu lugar?

_ Normalmente Magali – disse o homem apontando a irmã. – José Antônio nunca está em casa – apontou o irmão drogado com desprezo.

_ E o que aconteceu, Magali? – perguntou o tenente.

_ Eu estava na cozinha – começou ela, – minha mãe estava no quarto de benzer sozinha. Não havia ninguém pra benzer hoje.

_ Só eu – falou alto Fábio.

_ Mas você não estava marcado – explicou Magali. – Quarta-feira a minha mãe nunca atendia consultas exceto em caso de urgências.

_ Mas o meu caso era urgente – justificou-se Fábio.

_ Sempre urgente, eu sei – Magali desistiu de discutir com o cliente.

_ E quem mais estava na casa? – perguntou Gilberto.

_ Ninguém que eu saiba – respondeu Magali.

_ Tinha o homem de preto – falou Fábio olhando para todos os presentes.

_ Quem era esse homem de preto, meu Deus? – perguntou Magali. – Eu não vi ninguém com minha mãe no quarto.

_ Você viu que o Fábio estava esperando por ela? – perguntou Gilberto.

_ Não! – respondeu a mulher. – Mas ele vem sempre aqui.

_ E vem sempre e não sabia que quarta-feira sua mãe não atendia? O que tem a me dizer, Fábio?

_ Era urgente. Eu estava passando mal. Eu precisava dela – disse ele olhando assustado para todos.

_ O que estava acontecendo com você, Fábio? – perguntou o tenente.

_ Eu estava com um encosto brabo – disse o rapaz sem timidez. – Eu estava sofrendo e ela tinha que tirar de mim o mal.

_ E você, José Antônio? – perguntou o tenente. – Tem alguma coisa a me dizer?

_ Não, cara. Eu tô legal – respondeu o rapaz drogado.

_ Quando você viu sua mãe morta?

_ Só a noite quando me encontraram – respondeu ele.

_ Você estava onde? – perguntou Gilberto.

_ Ele estava com os amigos dele se drogando, tenente – respondeu Magali. – É apenas um drogado. Ele não esteve aqui em casa naquela tarde.

_ Mas quem esteve com a d. Cleusa? Quem se aproximou daquele quarto enquanto Fábio esperava na entrada e Magali estava na cozinha? – perguntou-se a si mesmo o militar.

_ O homem de preto – respondeu Fábio.

_ Mas não existe homem de preto, Fábio – esbravejou Magali.

_ Se não existe homem de preto – conjecturou Gilberto, – quem matou sua mãe, Magali.

_ Não sei, tenente – respondeu a mulher chorando copiosamente.

Tenente Gilberto levantou-se e andou pela sala observando cada um dos presentes na sala. Será que um deles matou a velha? Fábio pode tê-la matado e forjado toda a história do homem de preto. Magali foi a primeira a chegar no quarto de reza e achar a mãe morta ainda com sangue fresco escorrendo pelo chão. Estava ali o assassino de D. Cleusa? Gilberto levantou-se caminhou um pouco pela sala. Ele agora iria descobrir quem matou a mulher.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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