O BÊBADO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O BÊBADO

Deitado em uma mesa do Pronto Socorro estava um bêbado. Eu já o tinha atendido, medicado e percebera que era apenas um estado de embriaguez com algumas escoriações no rosto. Mandei que a enfermeira fizesse uma limpeza em seu rosto, curativo… Não havia mais o que lhe dar, deveria deixa-lo ficar deitado até chegar alguém de sua família. Assim foi feito e eu imediatamente ocupei-me com outro paciente, tomando as devidas precauções para que não lhe ocorresse nenhum acidente.

A irmã mandada buscar por alguém, chegou. No seu rosto aquela expressão de nojo-raiva se confundia com o desprezo ao irmão. Cheguei perto dela e lhe disse:

_ A senhora é sua irmã?

_ Infelizmente, doutor – respondeu-me. – Infelizmente.

_ Ele não tem mais problemas e a senhora pode leva-lo.

_ Ah, doutor, é sempre assim – queixou-se ela. – Ele anda sempre sendo internado por causa da bebida, sempre dando esses vexames pra gente. Anda feito um mendigo. Isso desgosta muito a família.

Ouvi a mulher falando e pensava no desprezo, no desleixo, no deixa pra lá que era dado ao irmão… Ela se queixava do que fazia o irmão como se lhe tirassem noites de sono. Não moravam juntos. Ela habitava uma casinha pobre com guarda de segurança, piscina, sauna, o diabo. Ele morava numa rica favela ao pé do morro. Fora jogado lá pela própria irmã que agora lhe cobra os vexames que dava pelas ruas.

Pedi-lhe que o levasse. Receitas não adiantariam em nada.

_ Eu mandei meu chofer chamar um taxi para leva-lo – disse-me ela. – Boa noite, doutor.

A mulher saiu sem ao menos olhar o irmão. Na certa ela esperava que ele tivesse morrido, que ficasse livre daquela carga pesada de vergonha que trazia nas costas.

O alcoólatra  foi levado de volta a sua maloca e continuaria por muito tempo, é certo, a se embriagar, a mendigar, a se sujar nas lamas dos esgotos…

A irmã continuaria se ruborizando a cada bebedeira do irmão? Não sei! Sei apenas que o método mais eficaz, não o mais simples, a que ela poderia recorre era, não o de estar ali se desculpando pelo erro do irmão, mas pelo seu próprio erro, pela solidão que lhe legara, pela fraqueza do irmão e pela sua falta de coragem em deixar tudo acontecer!

 

Maloca Querida, 1998:85-7.

Imagem: https://seriepix.net/serie/chicago-med

Sobre o autor Ver todas as postagens

Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados *