O ESTRANHO NO CEMITÉRIO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O ESTRANHO NO CEMITÉRIO

O PACTO – PARTE I

Ele estava muito triste! Não sabia o que fazer da vida. Estevão era casado, pai de três filhos pequenos e descobriu que estava falido. O filho do meio estava com quatro anos e há seis meses estava doente. Passou esse tempo último internado em vários hospitais e pouco tempo em casa. Estêvão estava devendo muito, achava que não conseguiria pagar as dívidas se não vendesse a casa. Mas ele herdara a casa pequena onde morava com a família dos pais que lutaram a vida toda para terem um teto. Ele iria dispor do único bem que possuía e deixaria a família sem nada. Vender o carro velho não iria resolver nada. O carro velho não valia nada e ele precisava da condução para ir trabalhar.
Não tinha escapatória. Até sorriu pensando em uma frase antiga: “Devo não nego, pagarei quando puder”.
O problema se agravou quando um oficial de justiça apareceu na sua porta cobrando dívidas ajuizadas em cartório e lhe dando um prazo de trinta dias para resolver ou empenhar algum bem para pagamento.
Ele queria morrer! Queria afundar em um pântano e desaparecer. Mas ele tinha família, ele tinha mulher e três filhos que dependiam dele financeiramente, afetivamente… enfim!
Ele tentou buscar ajuda em um banco! Não podia pegar um empréstimo – que seria seu cadafalso – porque estava com o nome sujo no SPC e SERASA. Estava sem saída!
Resolveu apelar para forças divinas. Rezar pedindo ajuda, pedindo o caminho a seguir…
Uma tarde nublada e feia, Estêvão foi ao cemitério da cidade abraçar um amigo que perdeu a mãe e resolveu andar entre os túmulos e pedir ajuda.
_ Preciso de ajuda! Preciso saber o que fazer. Preciso pagar minhas dívidas e para isso eu faço qualquer coisa! Meu filho doente, minha família precisando de mim. Eu faço qualquer coisa para resolver esse problema – repetiu a frase. – Preciso de ajuda.
Sentou-se em um banco frio e úmido e passou um tempo que ele não soube calcular pensando na sua vida sofrida e desgraçada.
_ Eu faço qualquer coisa – repetiu ele com lágrimas escorrendo pela face.
Uma escuridão maior que o dia nublado foi se aproximando dele e ele nem percebeu. Estava de olhos fechados e somente sentiu um pouco mais de frio. Não percebeu que o banco onde estava sentado estava isolado do resto do cemitério por uma densa neblina negra. Ninguém veria essa cortina negra.
Ele sentiu mais frio e abriu os olhos. Para ele tudo estava normal. Olhou o cemitério calmo e silencioso apesar de ser dentro da cidade. Olhou para o lado e assustou-se ao ver o homem que estava sentado ao seu lado.
_ Olá – cumprimentou ele. – Acho que está na hora de ir embora – ele se levantou.
_ Não quer conversar um pouco? – perguntou o elegante homem de meia idade.
_ Conversar? – perguntou Estêvão.
_ Sim. Você está buscando ajuda…
_ Eu? Sim – ele olhou para o homem assustado e se assentou novamente.
_ Sim. Eu acabei de ouvir seus apelos.
_ Ouviu? – Estêvão estava mais assustado.
_ Sim. – O homem falou categórico: – Você pediu com tanta força que eu consegui ouvir.
_ Desculpe – ele não sabia o que dizer.
_ O que você precisa, rapaz? – perguntou o homem grisalho vestido como um lorde inglês.
_ Dinheiro – desabafou Estêvão.
O homem que o envolveu com a névoa negra, também fez com que ele tivesse confiança em se abrir. Depois de contar toda a sua vida para aquele desconhecido, depois de ter chorado muito, ele parou, olhou para os olhos azuis do sujeito ao seu lado e perguntou:
_ Quem é você?
_ Seu amigo – mentiu sorrindo o desconhecido.
_ Meu amigo? – perguntou ele.
_ Estêvão, eu posso lhe ajudar – enfatizou ele.
_ Me ajudar… Não tem jeito. Como?
_ Eu posso lhe ajudar – repetiu o inglês.
_ Quem sabe – duvidou o pobre desesperado.
_ Eu sei. Eu preciso saber se você quer a minha ajuda…
_ Claro – respondeu Estêvão rapidamente.
_ E está mesmo disposto a fazer qualquer coisa para isso?
_ Sim – exaltou-se o rapaz. – Quer dizer… O que isso significa? Não sei…
_ Está ou não disposto a sair desse buraco em que você se encontra, rapaz?
_ Sim, claro – Estêvão via uma chance, voltou a chorar. – Sim, estou disposto a fazer qualquer coisa – nesse momento se lembrou dos filhos, do filho doente, da mulher triste e infeliz, do aperto financeiro que vinha tirando o seu sono há meses e repetiu para o senhor elegantemente vestido: – Sim, eu faço qualquer coisa!
O céu escureceu mais e uma chuva fina começou a cair. Ele olhou para o seu lado esquerdo onde estava o homem que o abordava e não viu mais ninguém. Sentiu um cheiro forte que não identificou e sacudiu a cabeça: “Eu devo estar ficando louco!” Levantou-se e saiu do cemitério. Achou estranho que não havia mais ninguém do enterro que ele foi ver. Olhou as horas no celular e levou mais um susto: havia passado seis horas desde o momento em que se sentara naquele banco.
Estêvão saiu apressado do cemitério, entrou no carro velho estacionado na porta e dirigiu para casa o mais rápido que pode.
Entrou em casa e teve uma grande surpresa ao ser recebido pelo filho doente que pouco andava que veio correndo lhe abraçar. Ele pegou o menino quando esse pulou em seus braços. Estava preocupado até em abraçar o filho tão debilitado.
_ O que houve? – perguntou ele à esposa.
_ Não sei! Deve ter umas três horas ou menos que ele está assim: corre de um lado para o outro, já comeu um monte de coisas – ela sorriu. – Eu não estou entendendo.
_ Uai, ele deve estar melhor – definiu o pai. – Isso é bom.
Jantaram e foram dormir como em todas as noites. Estêvão teve um sono inquieto. Sonhou com emprego novo, sonhou que estava dirigindo em uma autoestrada em alta velocidade e quando iria bater em uma construção abandonada, acordou assustado. Estava de saco cheio de levar sustos naquele dia. Levantou-se, saiu do quarto e fechou a porta que dava para o corredor. Observou ainda os filhos no quarto e todos estavam muito bem. Fechou essa porta também e foi para a cozinha. Fechou também a porta da cozinha e sentou-se à mesa para tomar um copo de leite. Sentiu frio. Parecia que a porta da cozinha foi aberta e entrou uma corrente de ar. De repente, sentiu que havia alguém na cozinha junto com ele. Estêvão olhou para a mesa de jantar e lá estava o mesmo homem que o abordara no cemitério.
_ O que você está fazendo aqui? – perguntou ele.
_ Precisamos conversar, Estêvão – o homem à sua mesa sorriu. – Precisamos conversar. Você gostou de ver seu filho bem de saúde?
_ Sim, ele parece bem – Estêvão sorriu. – Ele está bem – disse ele preocupado com o que poderia estar acontecendo.
_ Sim, ele está bem. Está curado. Agora depende de você, Estêvão. Sente-se aqui! – ordenou o homem com voz grossa, imperiosa e grandes olhos vermelhos. – Precisamos conversar.
Estêvão sentou-se à mesa e foi envolvido pela luz vermelha e pelo frio que emanava aquele ser que exalava cheiro de enxofre.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

2 comentáriosDeixe um comentário

  • Bom, você gosta mesmo de deixar a gente imaginando coisas. Coisas de escritor! Gostei e espero logo saber o que espera Estevão. Se sua fraqueza vai ser a sua verdadeira ruína. Que nos sirva de alerta…

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