O SOL – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O SOL

Quando me perguntaram na festa o que eu esperava da vida, simplesmente respondi:
_ Que o mundo se abra e a terra me engula.
A senhora gorda me olhou e, talvez, por achar a minha resposta mal educada, se afastou.
Eu andava na sala olhando o povo que se balançava ao som de suas músicas estridentes, ou mesmo na algazarra de suas conversas, me via perdido no meio de pessoas estranhas, ridicularmente só. Aliás, a solidão me acompanhava já há algum tempo. Eu apodrecia devagar, mas certamente acabaria mais cedo ou mais tarde do mesmo jeito, ruindo as estruturas que conseguiam ainda erguer um pouco os meus principais conceitos de vida.
Lembrava-me dos fatos e acontecimentos recentes. Recentes demais para esquecer. Na face ainda me doía o murro daquele industrial metido a besta que se exaltara com minhas respostas malcriadas. O tumulto se espalhara em instantes e, como se espalhara, se aquietara. Tudo no normal, apenas a face onde iniciavam-se as rugas, que doía com o murro e a vergonha de não ter-lhe quebrado uma garrafa na cara gorda e sem personalidade.
Eu, um escritor deprimido, poeta das desilusões, acarretava mais derrotas à vida. Perdia-me mais nas trevas que me cercavam.
Saí para a sacada, olhei a noite, me perdi em sonhos. A vida se arrastava lentamente. Meus dias se acabavam na obscuridade. Há mses eu sempre me via envolvido em brigas, nas festas e reuniões eu sempre tinha que me exaltar, eu sempre tinha de me enervar a ponto de estar só numa sacada, vendo a noite.
Olhava-me no espelho e ainda via o estrago do álcool, do fumo, da festa do dia anterior. As drogas me consumiam a cada dia, o meu último livro nem chegou a ser impresso. O rapaz bonito quem que me refletia na imagem do meu primeiro personagem agora estava ali: envelhecido, entregue a coisas que não me eram interessantes.
O frio da água do chuveiro sobre o meu corpo despertou-me um pouco para o dia! Mais um dia em que, na certa, eu deveria ficar em casa, beber, fumar, me drogar como pudesse e esperar que ele se acabasse com a noite.
Meu corpo nu era tomado de intenso frescor com a água que cobria minha pele. Eu me entregava ao banho como se estivesse nadando numa cachoeira, subindo na água que descia em borbotões.
Olhei-me no espelho novamente. A barba me sujando o rosto todo quase não deixava ver os olhos de um homem de trinta e poucos anos. Mas para que ver os olhos se eles eram tão tristes? Para que olhar pr’um rosto amassado pela ressaca? O cabelo, enfim, todo o conjunto era-me desagradável, apesar do espelho maior do outro lado da parede demonstrar que o corpo ainda tinha vitalidade e força para aguentar recomeçar. Meus olhos percorreram meu corpo, pararam em cada músculo, no sexo que gritava por amor, nos braços fortes, nos pés enormes.
De repente, como por encanto, dei-me conta de que minha vida estava assim devido a, principalmente, culpa minha. Culpa de um entreguismo que não me deixava ver um palmo à frente do nariz.
Saí do banheiro nu e pingando água pela casa, corri às janelas e as abri, uma a uma, como há muito tempo não o fazia. Os vizinhos que não olhassem ou me veriam como não gostariam. O sol invadindo-me a casa, lambendo-me a face, mostrava-se alegre com o meu despertar para a vida.
Senti o calor do sol no corpo todo secando-me a alma do pus, da podridão psicológica que me corroía.
Voltei ao banheiro, olhei-me no espelho novamente. O rosto, apesar do cabelo avermelhado pelo maltrato e os olhos fundos, já demonstravam que era possível melhorar e sair da posição de derrota em que me encontrava.
Após raspar a barba, prometi-me procurar um bom cabeleireiro, fazer um reparo, tomar uma sauna… Mas primeiro, havia uma providência a tomar.
Com o pouco do dinheiro que me sobrara dos meus últimos livros pude comprar uma casa longe da cidade e mudar-me no mesmo dia. A casa rodeada pelo silêncio do lugar é o meu melhor recanto, onde posso escrever vidas, retratar fatos, cumprir a minha sina de escritor.
Continuo só, mas sei que dou hoje algo de fundamental à minha vida, para que aos trinta e poucos anos, não pareça um velho. Dou principalmente, importância à mim, ao meu mundo, às coisas de que gosto, em que creio e que me servem de alento para prosseguir, para encontrar algo que dê razão aos meus dias. Eu tinha nas mãos a força maior que me impulsionava a mudar: a vontade louca de me ver em paz comigo!

Maloca querida, 1998: 99-102.

Foto: http://www.fanpop.com/clubs/sun-star/images/36682661/title/sun-star-sky-clouds-photo

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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