RODOCROCITA – A PEDRA DO AMOR MAIOR – Pão de Canela e Prosa
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RODOCROCITA – A PEDRA DO AMOR MAIOR

Nas terras altas, entre o Peru e a Bolívia, existia um templo Ajllas às margens do Lago Titicaca. Nesse templo viviam virgens sacerdotisas que prestavam dedicação total ao deus Inti. Elas viviam em harmonia e paz dentro do templo e tinham hábitos brancos e rosas para se vestir e flores para adornar seus corpos. Eram mulheres lindas e puras. Uma vez ao ano a uma delas era permitido sair do templo e passear ao redor.

O deus inca guardava o templo e o mantinha inviolável a entrada de quem quer que fosse. Dentro da muralha que continha o templo a vida era em paz como se o tempo não passasse.

Templo do Sol, como chamado era admirado pelo povo inca que morava a certa distância. Em troca do respeito do povo em não se aproximar do local o deus Inti protegia a população de todo perigo, incluindo a fome e a escassez. Todos em paz e harmonia.

Um guerreiro inca, certa vez, enquanto caçava adentrou a área ao redor do templo e se perdeu. Quanto mais procurava o caminho de volta, mais se aproximava do templo.

De repente, ele a viu. A mais bela virgem de todos os tempos passeando pelo gramado como se flutuasse tal a leveza de sua graça. Ele nunca vira beleza igual. Tentou passar despercebido, mas ao pisar em um galho seco fez barulho ao quebrá-lo. Ele se assustou. Ela também. Ela procurou com os olhos e o viu. Jamais vira um homem. Vivia por anos no templo sem contato com a civilização. A ela era dado o dom de não envelhecer, não adoecer. O tempo para as virgens do templo não passava.

Ela o viu e não tentou fugir. Ela olhou para ele com seus grandes olhos negros e ele, saindo de seu esconderijo atrás de uma moita de mate, também olhou a mulher.

Amor à primeira vista, eles se aproximaram e sorriram um para o outro. Ela sentia o coração acelerado, ele estava todo eletrizado de amor e desejo.

Naquele dia, ela não voltou para o templo. Ele pegou sua mão e sabiam que estavam cometendo um sacrilégio contra o deus inca. Ela pertencia ao templo, ele era do povo protegido pelo deus. Eles estavam desobedecendo às regras de Tahuantinsuyo[1]. Se quisessem ficar juntos teriam que fugir.

Ele a beijou e ela se sentiu a mulher mais feliz do universo. Nesse momento, ela nem sabia o que era o universo. A única coisa que conhecia era o templo. Só conhecia suas irmãs que com ela dividiam os dias intermináveis dentro daquelas paredes.

Fugiram correndo pela campanha, depois pela floresta, fugiram por dias. Fugiram para o sul e se estabeleceram nas terras, onde hoje está Catamarca e Tucumán. Junto ao povo diaguita a mil e duzentos quilômetros do templo.

O deus Inti com raiva da deserção, presenteou uma temporada longa de seca e de pragas na plantação ao povo do guerreiro. O povo sofreu com fome e necessidades. O imperador daquelas terras colocou centenas de guerreiros para procurar o casal de amantes. Algumas pessoas morreram, outras deixaram a aldeia em busca de novas paragens para alimentar a família. Todos sofriam com a ira do deus ofendido.

Os amantes, que nunca foram encontrados, tiveram muitos filhos. Viveram em paz e eram detentores de um amor intenso. Eram admirados pelo povo que sempre dizia que amor maior nunca existiu. Ela, depois que saiu do templo, como todo ser humano, também envelheceu, junto ao seu guerreiro, enquanto a prole crescia e se multiplicava, seguiu o curso natural da vida e um dia, morreu.

O guerreiro, fraco pela idade, sofreu a perda de sua linda amada como ninguém jamais sofreu uma perda no mundo real e divino.

Fez um velório onde toda a cidade foi prestar suas homenagens e ela enfim, foi sepultada no topo de uma montanha. O guerreiro, não suportando a dor, em pouco tempo morreu também.

Muito tempo se passou e, um dia, um chasqui[2], passando pelo local descobriu a tumba da amada e observou que surgiu no local uma rosa de pedra. Ao observar as pétalas de sangue da rosa compreendeu que aquela pedra era fruto do amor mais bonito e mais intenso que ele conhecia.

O chasqui cruzou a pé todo o caminho da montanha até o templo para entregar ao deus inca as pedras. O deus Inti ao ver as pedras rosa, vermelha e branca compreendeu que o amor dos dois era maior que sua própria aceitação e chorou. Ao mesmo tempo, perdoou o guerreiro e a virgem que fugira do templo. Deu paz ao povo e muita fartura. Todos voltaram a ter comida, saúde e paz.

A rosa de pedra era diferente de tudo que jamais alguém vira. Foram ao local e foi, então, descoberta a rodocrosita que passou a ser o símbolo do amor e da paz. Os amantes foram perdoados e todas as virgens do templo passaram a usar jóias com a pedra do amor.

Rodocrosita é a pedra da Argentina e essa lenda é de origem diaguita. O povo diaguita ocupou o território da atual Catamarca, La Rioja, Santiago del Estero e Tucumán (Argentina).

 

http://princesinhadisol.blogspot.com/2011/01/rosa-dos-incas-entre-petalas-de-sangue.html?m=1

[1] Império Inca (Tawantinsuyu em quíchua) foi um Estado criado pela civilização inca, resultado de uma sucessão de civilizações andinas e que se tornou o maior império da América pré-colombiana.

[2] No Império Inca, os chasquis eram ágeis e habilidosos corredores que se revezavam, de um posto ao outro, na missão de entregar as  mensagens.

 

Conto publicado na Antologia Lafaiete em Prosa e Verso 2019.

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Artur Laizo Escritor

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