ANDANDO PELA NOITE – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

ANDANDO PELA NOITE

Estávamos conversando Douglas, Luciano e eu em frente ao relógio da estação da rede ferroviária e os dois vampiros resolveram que iriam para outros lugares da cidade. A quarentena do Corona vírus estava deixando todo mundo trancado em casa e Douglas, o vampiro de Juiz de Fora, sugeriu que se ficássemos juntos nenhum dos três conseguiria nada naquela noite.
Douglas estava muito bem. Estava feliz com a perspectiva de resolver alguns problemas sentimentais com suas várias garotas. O cabelo longo e preto do vampiro muito branco voava com o vento da noite. Ele estava com cento e setenta anos e parecia cada dia mais jovem. Ele sorriu e nos disse:
_ Vocês só tomem cuidado porque à noite todos os gatos são pardos – ele riu da brincadeira.
_ Se pelo menos a gente conseguir um gato já estará no lucro – observou Luciano sorrindo.
Luciano estava no mundo das sombras há menos tempo que nós dois. Ele foi transformado por Douglas e nesses quarenta anos de existência fez muita confusão. É um vampiro jovem e, movido pelo impulso da idade, se meteu em muitas encrencas. É um vampiro que prefere os rapazes mais jovens, mas não descarta nenhum homem tanto para sexo como para se alimentar.
Eu? Eu sou um vampiro solitário. Não sei mais quantos anos de vida nas trevas possuo. Como tenho uma existência mais longa, hoje a falta do sangue humano não me causa a tão desesperadora crise de abstinência como vemos nos vampiros mais jovens. Já vivi muitas vidas e muitos amores. Isso eu conto depois.
_ O que você sugere? – perguntei.
_ Eu vou dirigir por aí – definiu Douglas. – Vou de carro para esses bairros de periferia. O povo, apesar da ordem de confinamento, fica nas ruas ou fazendo festinhas, procurando a morte – ele riu. – Eu sou a morte.
Douglas ficava ainda mais bonito quando ria.
_ Eu gosto mesmo de centro da cidade – explicou Luciano. – Vou caçar algum perdido no centro.
_ Tudo bem – concordei. – Eu vou sair andando por aí.
Douglas entrou em seu carro e saiu a toda aproveitando a rua deserta. Luciani e eu andamos mais um pouco e quando estávamos perto do viaduto que liga a Avenida Itamar Franco à Avenida Brasil. Luciano para fazer graça, saiu correndo por cima do viaduto de braços abertos imitando um avião. Era muito divertido vê-lo fazendo isso em dias de muito movimento. Com sua velocidade vampírica ele passava entre os carros morrendo de rir.
Eu decidi passar por baixo do viaduto. Eram vinte e três horas de uma noite bastante escura e havia chovido mais cedo. Eu imaginei que iria caminhar muito tempo sem encontrar nenhum humano nas ruas.
Não encontrei, mas fui encontrado. Quando passava pelo espaço mais escuro daquela rua, sob a construção de concreto eu ouvi um ruído sutil. Uma respiração ao longe que somente meus ouvidos de vampiro ouviriam. Eu continuei andando e senti quando ao meu lado se aproximou um rapaz de vinte e dois anos. Eu deveria ser, para ele, a recompensa da noite. Um homem jovem – quando fui transformado, tinha apenas vinte anos e nada mudou -, bem vestido, bonito e com toda a aparência de um lorde. O bandido que estava indo para sua casa, observou-me passando e pensou que poderia aumentar a féria do dia.
Ele se aproximou e eu percebi, apesar do cheiro de suor, álcool e cigarros, que seu sangue era exatamente da “safra” que mais me agrada.
Os vampiros sentem o cheiro do sangue e há aqueles que nos são mais apetitosos, mais sabor. Há sangue que tomamos pela simples necessidade de nos alimentar.
O rapaz se aproximou e perguntou:
_ Tem um cigarro aí?
_ Eu não fumo – respondi e continuei andando.
_ E um dinheiro? Me dá o que você tem aí – ordenou ele.
Eu parei e olhei para ele. Ele se assustou por que eu o encarei, mas ad recompôs e voltou a me abordar:
_ Quero dinheiro… – ele riu. – Ou daqui você não passa.
Eu olhei para ele novamente e vi em sua mão uma arma de fogo. Deveria ter comprado aquilo em algum mercado negro – qualquer lugar tem -, mas a Taurus brilhava na sua mão igualmente suja. Eu sorri. Ele se espantou a me ver sorrindo e não ver mais. Eu desapareci de sua frente e reapareci nas suas costas cutucando seu ombro esquerdo. Ele se virou rapidamente e quase atirou.
_ Não desperdice munição, rapaz – ordenei-lhe.
_ O que é você? – ele perguntou assustado.
_ O que você quiser – respondi.
Ele não sabia o que dizer e eu novamente corri de um lado para outro, sendo impossível que ele me acompanhasse com sua visão de humano e reapareci ao seu lado direito sorrindo.
_ O que vai ser? – perguntei sorrindo e deixando minhas presas aparecerem além dos meus lábios inferiores.
_ Como assim? – perguntou ele apavorado.
_ Assim – terminei eu.
Eu envolvi o espaço onde estávamos em luz vermelha dos meus olhos e ele ficou paralisado de medo. Eu podia sentir seu coração batendo muito depressa. Esse medo jogava mais adrenalina no sangue e temperava melhor esse alimento tão bom. O rapaz não conseguia falar, não conseguia se mexer e então eu cravei meus dentes em sua jugular esquerda. O sangue quente entrou pela minha boca e apesar do resíduo de álcool e cigarro, era exatamente o sangue que eu mais gostava de tomar. Ele era um bandido que, mesmo tendo pouca idade, já havia matado três pessoas no seu bairro e estava iniciando o caminho de tráfico de drogas. Enquanto sugava seu sangue, conhecia tudo o que ele já fizera na vida e tudo que ainda iria fazer. Eu não poderia deixá-lo vivo. Acabei com todo o seu sangue, estraçalhei os músculos do seu pescoço e deixei seu corpo morto caído no mesmo lugar. Perto do viaduto fica uma sede do exército. Fui até lá e chamei o guarda de serviço. O rapaz veio até mim assustado e eu lhe disse que havia um corpo caído no chão. Ele pegou o celular para chamar ajuda e eu desapareci na sua frente. Em pouco tempo, exército e polícia estavam no local tomando as providências com o bandido morto no viaduto.
Afastei-me do local. Aquela noite não estava boa para ficar nas ruas. Decidi ir para casa do Douglas, mesmo que ele e Luciano chegassem bem mais tarde, eu ficaria sozinho, tomaria algumas vodcas e leria um bom livro de autor nacional, talvez de algum autor de Juiz de Fora.
Fui para casa. Douglas mora desde 1902 debaixo do Parque Halfeld, a praça principal da cidade agora está bloqueada para evitar aglomerações por causa da pandemia.
Entrei e estava satisfeito pela noite e por estar sozinho em casa. Outras aventuras ainda iriam acontecer enquanto eu estivesse em Juiz de Fora.

            

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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