ANJO E DEMÔNIO – QUEM PODE MAIS? – Pão de Canela e Prosa
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ANJO E DEMÔNIO – QUEM PODE MAIS?

O PACTO – CAPÍTULO VII

_ Estêvão – gritou Augusto saindo da Matriz e vendo que o patrão acompanhava o demônio.
No momento em que eles passaram pela porta principal, o sino que anunciava meio-dia parou na sexta badalada. Havia se instalado uma lacuna de tempo onde só aqueles que estavam dentro da igreja não estavam paralisados.
Metade homem, metade bode, o possuído olhou pra trás, acendeu seus olhos vermelhos e encarou o empregado com ódio. Ele queria destruir aquele que o chamava pelo seu nome, mas não sabia se deixava pra lá e seguia o senhor das trevas que esperava por ele em um portal para o inferno. Olhou para um e para o outro e decidiu-se por enfrentar o gerente.
_ Você não pode comigo, Augusto – gritou ele ainda nas escadas da igreja.
_ Você não pode ir com ele – gritou o gerente com roupas brancas e grandes asas alvas, pairando sobre a entrada da igreja. – Pense na sua família.
_ Você não tem nada com isso – rosnou Estêvão e lançou uma descarga de energia que por pouco não acertou Augusto.
Foi uma descarga tímida, mas Augusto conseguiu neutralizá-la. Ele subiu um pouco mais e quando estava na altura da torre da Matriz, percebeu que também Estêvão voava na mesma altura que ele com um par de asas negras. O demônio ria. Estêvão ria. Preparado, lançou na direção do gerente outro raio que atingiu a torre da direita. A edificação caiu espatifando-se no chão com grande barulho. Augusto assustou-se com a destruição iminente do templo e encarou o demônio que o atacava. Preparou-se para defender a igreja, mas viu que o melhor a fazer era afastá-lo de lá. Subir no espaço para longe da cidade, ou atraí-lo para outro lugar. Preferiu a segunda opção e saiu voando pela Avenida Rio Branco observando tudo imóvel parado no tempo. Nenhum movimento. Nem mesmo o ar que circulava tão forte pelo corredor principal de carros da cidade se movia. Ele viu que Estêvão resolveu também segui-lo e ele voava mais alto e mais baixo, alternando sua posição. Estêvão vinha ao seu encalço e lançou outro raio de fogo. Alguns carros explodiram com a energia, matando vários inocentes e provocando uma cratera em frente ao Parque Halfeld. O tempo estava paralisado fora do complexo da igreja. Somente lá, tudo tinha movimento, som, apesar do tempo estar parado. Augusto sofria pelas pessoas que sofreram os ataques de Estêvão e viu que se ele também não atacasse e prendesse o demônio, Juiz de Fora iria sucumbir no fogo do inferno sem saber por quê ou como aconteceu. Ele parou em frente ao demônio que vinha perseguindo-o e esperou que chegasse mais perto. Abaixo deles a Praça do Riachuelo e o Shopping Santa Cruz estavam repletos de humanos inocentes. Augusto atacou com um raio de luz que atingiu Estêvão no peito fazendo com que ele se chocasse destruindo uma parte do prédio Ademar Andrade, mais conhecido como prédio da Cesama, em um grande incêndio. Quantos morreriam ali por sua culpa? Pensou Augusto. Mas se ele não atacasse, o demônio destruiria muito mais. Estêvão revidou com uma descarga maior de fogo e destruiu o prédio do Palácio da Saúde. Isso não poderia continuar, resolveu Augusto que voou mais alto sendo acompanhado pelo patrão. Eles estavam longe do centro da cidade, mas precisavam ficar próximos um do outro. Augusto tinha que convencê-lo a parar com aquela loucura e se entregar a Deus. Ele queria que Estêvão deixasse de seguir o demônio que esse tempo todo o observava e esperava em um portal vermelho aberto em cima da Rua Brás Bernardino, em frente à Matriz.
Augusto parou no Mirante do Morro do Cristo, ponto mais alto de Juiz de Fora. Esperava que lá também fosse um terreno sagrado e Estêvão não tivesse forças para atacá-lo. O patrão que não tinha mais nada de humano apareceu e encarou Augusto. Olhos vermelhos, baba escorrendo pelo canto da boca, quanto mais pessoas Estêvão matava, mais perto do emissário dos infernos que o comandava, ele estava. Estava se tornando um demônio tão forte e poderoso que causava medo no anjo iluminado à sua frente. Augusto sabia que não podia sentir medo ou estaria liquidado. Ele investiu contra o patrão à sua frente e a besta, ainda com olhos humanos, porém vermelhos disparou contra ele um raio que acabou atingindo a construção que suportava a imagem do Cristo sobre ela. Augusto correu para segurar a imagem e não deixar que ela se espatifasse no chão. Estêvão se aproveitou desse momento de fraqueza do anjo e disparou novo raio que o atingiu na asa. Lesão importante, Augusto sabia que iria se curar em poucos minutos, mas enquanto ele não podia mais voar, preferiu se esconder do agressor no prédio que foi utilizado por uma emissora de TV local há anos. Entrou no prédio escuro àquela hora do dia e aproveitou-se das sombras embora soubesse que seu agressor não usaria da visão natural para enxergá-lo.
Silêncio. O ar parado, o tempo parado e a escuridão do lugar davam um refresco a Augusto que sentia suas asas se recompondo, se curando da lesão provocada pelo fogo lançado por Estêvão. Onde ele estava, era a preocupação do gerente do restaurante. Augusto podia sentir que ele estava dentro do prédio e um sabia da posição do outro. O demônio estava vindo ao seu encontro e ele precisava sair dali. Havia humanos inocentes naquele lugar que não mereciam morrer sem razão de ser.
Um estrondo que somente os dois podiam ouvir e um buraco se abriu na parede expondo Augusto que acabava de se curar da lesão. Um raio de fogo passou perto do anjo explodindo a parede de fundos e derrubando a construção tão antiga na cidade. A história de Juiz de Fora perdia ali os shows, festivais, televisão local e tantas outras coisas dos anos cinquenta a oitenta. O prédio não funcionava como antes e por isso, havia poucas pessoas no momento. Todos mortos.
Augusto pensou de se entregar e acabar com a matança que Estêvão estava fazendo na cidade. Ao contrário disso, porém, resolveu atacar e mandou um raio de luz que atingiu o peito do patrão. Estêvão caiu e voltou à forma humana. Augusto por um momento, achou que tinha vencido a contenda, mesmo perdendo a alma daquele ser e se aproximou para vê-lo. O homem parecia dormir tranquilo. Era como se estivesse desmaiado. Quando o anjo estava perto e se preparava para rezar por ele, Estêvão abriu os olhos vermelhos e soltou um novo raio que atingiu Augusto no peito. O anjo foi lançado longe, através das paredes quebradas e perdeu-se em queda nas alturas do morro do Cristo. O fogo lançado pelo demônio era tanto que incendiou o morro todo. Se o povo de Juiz de Fora pudesse ver, saberia o perigo que todos corriam com um incêndio tão devastador. Estêvão riu e, na sua nova forma demoníaca, levantou voo e foi em busca do seu mentor.

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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