O CASTELO ABANDONADO – Pão de Canela e Prosa
Pão de Canela e Prosa

O CASTELO ABANDONADO

Eu estava saindo de casa e na garagem percebi que a luz não acendeu quando eu passei. Achei estranho, mas pensei que poderia ter queimado alguma lâmpada e, por isso mesmo, estava escuro. Aproximei-me do meu carro e senti o cheiro forte de Patchuli. Patchuli é um perfume exalado pelos vampiros criados por Augspartem. Eu sorri. Algum dos meus irmãos estaria na garagem. No meu carro, percebi, sentado.no banco do carona um homem alto de grandes cabelos negros e, apesar da escuridão da garagem, eu conseguia ver que ele estava todo de roupa preta.
_ Douglas – chamei por ele. – O que faz aqui?
_ Pai – ele adorava brincar e me chamar de pai, – estou precisando de ajuda.
_ Você, querido? – perguntei. – Você precisa de ajuda? Isso não é normal.
_ Não, não é – o vampiro de Juiz de Fora riu. – Eu preciso de você.
_ Mas você tem muito mais força e poder que eu, meu querido – argumentei eu.
_ Você tem mais poder e força – retrucou ele. – Isso não vem ao caso. Você é mais esperto – ele riu.
_ Podemos conversar aqui, ou você prefere que a gente dê uma volta? – perguntei.
_ Podemos dar uma volta – escolheu ele uma das minhas opções.
Pus o carro em movimento e, naquele momento, sem o poder de Douglas interferindo nas lâmpadas, todas se acenderam. Ele percebeu que eu observei isso e riu:
_ Eu não queria ser visto.
_ Imaginei.
Saí pela Avenida Barão do Rio Branco e somente depois de dirigir por vinte minutos ele me disse alguma coisa:
_ Eu estou com um problema.
_ Olha! Quando não esteve? – zombei eu e ele também riu.
_ Mas agora é sério, pai.
_ E o que é?
_ Você sabe que eu amo a Gotetti…
_ Sei sim. E daí?
_ Daí que ela brigou comigo. A gente não está se vendo há uma semana – explicou ele.
_ E onde eu entro nisso? – perguntei.
Desde que eu fui transformado em vampiro por ele e Augspartem, eles não haviam me procurado com nenhum problema. No início, quando minha vida estava mais difícil e a sobrevivência como vampiro bastante confusa, eles e os outros me ajudaram a entender o universo que eu mesmo criei para eles. Todos me chamam de pai e respeitam as minhas vontades como a de morar em um apartamento no centro de Juiz de Fora. Tive que adaptar janelas para me proteger do sol, mas estava em paz no meu apartamento e a vida seguiria em frente.
Depois que eu me adaptei, foram se distanciando, cada um cuidando da própria vida – muito próprio dos vampiros essa solidão constante – e me deixaram em paz.
_ Você precisa conhecer um lugar – continuou Douglas.
_ Ah é? Que lugar é esse?
_ Precisamos ir a um lugar distante – disse ele baixo.
_ Douglas, você sabia por acaso se eu já teria algum compromisso para hoje? – repreendi o jovem sorridente ao meu lado.
Douglas foi transformado por Augspartem quando tinha vinte e quatro anos e nunca mais envelheceu. Quando digo que não envelheceu, digo em todo sentido, é um adolescente e sempre será. Talvez por isso, nossa convivência seja tão boa.
_ Aonde iremos? – perguntei.
_ Vamos para o Bairro Aeroporto – disse ele animado.
_ Tudo bem – concordei.
Eu gostava muito dele. Ele era o meu grande amigo vampiro e eu sabia que apesar dele ser essa criança grande, eu sempre poderia contar com ele
Ele me fez entrar por ruas escuras e desertas, imaginei até que gostaria que fizéssemos uma caçada juntos, mas naquele lugar eu não via a mínima possibilidade de encontrar uma vítima que fosse para nossa sede. De repente, ele me fez parar e olhar para fora. Eu vi uma enorme construção que parecia um castelo abandonado há anos.
_ Não é lindo?
_ É sim! – concordei.
_ Eu quero esse castelo para mim – disse-me ele olhando- me nos olhos. – Quero dar ele para a Goretti.
_ Uai, e por que não é seu ainda?
_ Porque tem invasores morando aí dentro – respondeu ele sério.
_ Quem são esses invasores? – perguntei.
_ São mortos-vivos que estão causando uma confusão aqui no bairro – explicou-me ele.
_ Eles estão aí agora? – perguntei.
_ Sim. É já sabem que estamos aqui fora – disse ele me fazendo perceber o cheiro podre que invadia o ar.
_ O que você quer que eu faça?
_ Me ajude a limpar esse lugar – gritou ele ao ver que um ser desses indefinidos saia pelo portão e caminhava com dificuldade em direção ao meu carro. – Precisamos agir.
Antes que eu pensasse que o correto seria dar a partida no carro e sumir dali, Douglas abriu a porta do carro e saiu caminhando em direção ao zumbi.
Eu não pensei duas vezes e também saí do carro. Puxei minha espada que antes da transformação ficava pendurada na parede do meu escritório, mas que agora andava no meu carro e olhei para a construção. Havia muitos seres como aquele que estava na rua dentro do casarão. A espada que eu tinha em mãos, foi um presente de família, mas eu somente consegui manipulá-la corretamente depois de ter toda minha forca vampírica.
Douglas já estava se aproximando do zumbi quando eu senti que outros três pularam do muro do castelo para a rua. O que eles pensariam que poderiam fazer? Se pensassem, é claro. Aquele monte de carne morta em movimento naquela rua deserta não era páreo para dois vampiros ferozes e fortes como nós dois. Eu fiz a luz da lua brilhar na lâmina da espada e a enchi de poder destruidor. Ela estava linda. Com nosso poder, Douglas e eu inundamos a rua de luz vermelha e cheiro de Patchuli. Pelo menos o perfume que exalamos inibiria o.fedor daqueles monstros. A luz vermelha impediria que os humanos que por acaso se aventurassem por aquele lugar vissem o que estava acontecendo.
Eu rodei a espada no ar e decepei a primeira cabeça. O monstro caiu e se desfez em uma substância negra manchando o asfalto
Douglas estava desarmado e percebeu que não deveria se encostar no zumbi que queria atacá-lo. Afastou-se no exato momento em que eu atravessei o peito do morto-vivo com a espada e arranquei metade do seu tórax. Mais um estava se derretendo no asfalto e impregnando a noite com o odor pútrido. Os outros dois voltaram para dentro dos muros do castelo como se tivessem recebido uma ordem para isso. Não poderíamos perder tempo. Mandei que Douglas pegasse no porta-malas do carro outra espada e uma adaga linda que eu trouxe de Roma há cinco anos. Ambos armados, pulamos para o alto do muro do castelo antes abandonado. O cheiro dentro dos muros era quase insuportável. Como vampiros, conseguiríamos suportar bem. Eu lancei uma varredura mental e percebi que ainda havia oito seres iguais aqueles dentro da construção e uma imagem me chamou atenção: dentro do que deveria ser a sala principal, um humano respirava – estava vivo!
Passei essas informações para Douglas e nos preparamos para receber os montes de carnes podres que se moviam e que em breve iriam nos atacar. Um deles surgiu correndo de um lado da casa com uma lança de madeira e eu consegui avisar Douglas que se esquivou e decepou a cabeça do ser disforme. Aproveitando a lança, abrimos a porta principal, de longe e mais duas criaturas apareceram caminhando abobadamente. Não sobreviveram para contar o que lhes aconteceu. Em segundos, destruímos os dois. Era muito estranho não poder dizer que matamos os zumbis, mas eles já estavam mortos há algum tempo. Cinco outras criaturas estavam no interior da casa e eram comandadas pelo poderoso humano no salão principal. Entramos na casa. Douglas olhando para a Direita, eu para a esquerda, não precisávamos de luz para enxergar o que estava acontecendo. Os zumbis de dentro da casa, emitiam um barulho como se cantassem um mantra qualquer. Talvez fosse uma forma de se posicionarem e se localizarem naquela escuridão. Um a um foram descobertos e despedaçados com nossas espadas. Não sobrava mais ninguém a não ser o humano do antigo salão nobre do castelo. Douglas se posicionou em uma das portas e eu em outra diametralmente oposta e por uma comunicação mental abrimos as duas passagens ao mesmo tempo. Dentro da sala estava um homem alto, deveria ter mais de um metro e noventa, careca, sem barba e seus olhos vermelhos iluminavam a sala para nos receber. Estávamos também com nossos olhos emitindo luz vermelha que se opôs à energia que o bruxo no centro da sala emanava. Ele era poderoso. Eu consegui ler sua mente e ele estava ali para tomar o castelo para si. Criara os zumbis de cadáveres que roubara no cemitério da cidade para se proteger e ao mesmo tempo atingir seu objetivo: criar na população local medo e desespero. Todos ao redor do castelo queriam sumir daquele bairro para evitar o ataque dos zumbis nas suas propriedades, por isso achamos o bairro vazio, deserto. Ele queria que o proprietário resolvesse se ver livre daquela construção e terreno que valiam um preço alto no mercado e ele pudesse se estabelecer ali. Ledo engano.
Magno, o bruxo fazia força para nos impedir de avançar contra ele, mas sua força era pequena perto da nossa juntos.
De repente, Douglas sentiu a presença de outro ser ainda desconhecido aproximar-se a sua direita e enfraqueceu o seu poder energético. Magno conseguiu aprisioná-lo em um laço de energia vermelha. Eu vi Douglas se enfraquecer e não poderia deixar que isso acontecesse. Levantei minha espada e gritei alto. Pulei para o alto e quando desci do meu pequeno voo, levei junto a cabeça de Magno que desprendida do corpo rolou pela sala. Acabou o poder do bruxo. Se houvesse mais algum zumbi naquela casa estaria também se desintegrando pela morte do seu criador.
A presença que Douglas sentiu se aproximar continuou chegando e quando estávamos ambos armados para matar quem ou o que quer que entrasse naquele lugar, vimos a figura de um homem velho, desnutrido, de roupas rasgadas e sujas do sem número de dias que não tinha uma higiene pessoal. O cheiro daquele ser era de um humano que não tomava banho, longe do fedor dos zumbis. O velho se assustou com nossa presença na sala e quis se proteger levantando os braços, mas sabíamos que ele não era do mal. Rapidamente eu soube através de sua mente que ele era o dono do castelo e que era mantido prisioneiro por Magno para usurpar dele a construção. Anacleto era o único descendente da família que construiu aquele lugar que no passado teve seus momentos de glória.
Ele percebeu que nós dois éramos sua salvação.
_ Eu estou preso aqui há quase cinco anos – começou ele. – Magno veio me visitar um dia e nunca mais foi embora. Ele queria que eu lhe desse o castelo para ele morar e construir seu reino de zumbis. Eu resisti o quanto pude, mas juro que não estava aguentando mais. Se eu morresse, o governo iria tomar a propriedade e nem ele teria como ser o dono. Fez o que pode comigo. Fez grandes torturas e muita sacanagem, más eu resisti. Eu não poderia entregar para ele um lugar construído com amor, para ele disseminar o ódio.
Anacleto respirou fundo e olhou para nós.
_ O que vocês estão fazendo aqui?
_ Eu vim ver esse lugar porque eu acho ele lindo – explicou Douglas.
_ Já foi melhor – disse Anacleto com lágrimas nos olhos.
_ O que você pretende fazer agora? – perguntei ao dono do castelo.
_ Não sei. Eu não tenho parentes, família, ninguém. Talvez o melhor seja vender e ir embora, morrer em algum asilo.
_ Eu gostaria de comprar – interveio Douglas.
_ Sério? Mas o que você vai fazer em uma casa tão grande?
_ Morar aqui – respondeu o vampiro de Juiz de Fora.
_ Você só precisa de um porão escuro – sorriu o velho.
_ Você sabe o que somos? – perguntei.
_ Claro! Somente vocês poderiam combater Magno. Obrigado.
_ Não por isso – sorriu Douglas.
_ Acho que você pode vir morar aqui, vampiro – disse Anacleto a Douglas. – Mas eu posso cuidar do lugar para você. Não quero ser como vocês, mas após minha morte o castelo é seu.
_ Nossa! Fico muito feliz – sorriu Douglas e nesse momento a luz da lua refletiu nas suas pressa salientes.
_ Converse com sua namorada e traga-a aqui para ver o local daqui a quinze dias. Garanto que vai estar tudo arrumado para recebê-la.
Douglas agradeceu ao velho e saímos em direção ao carro. Precisávamos nos alimentar porque a sede de sangue já se fazia sentir. Perto do meu carro, dois ladrões vasculhavam o porta-malas e admiravam as armas brancas que eu tinha ali dentro. Eles eram humanos. Com eles não precisávamos de armas. Douglas se incumbiu do ladrão da direita e eu o do lado esquerdo. O gosto daquele sangue entrando nas nossas bocas nos deu a energia que precisávamos para terminar a noite. Deixamos os corpos deitados no asfalto. Arrumei minhas armas no porta-malas e entramos no carro. Liguei para a polícia para avisar dos assassinatos e partimos em disparada para a noite que avançava sobre a cidade.

Notas: Frederich Augspartem e Douglas são vampiros da trilogia “A MANSÃO DO RIO VERMELHO”

Foto: @xfotofotografia

               

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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