O PACTO – DÉCIMO CAPÍTULO – Pão de Canela e Prosa
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O PACTO – DÉCIMO CAPÍTULO

O tempo.parado não dava para quantificar a espera. Anjo Augusto e Arcanjo rodavam ao redor da igreja, mas não podiam se afastar demais porque o entorno eram chamas destruidoras e quentíssimas. Tinham que proteger Catedral junto com as preces e energia que vinham de interior. Se vacilassem, mesmo em território sagrado o fogo destruiria tudo.
De repente, surge Estêvão como um raio e bate contra a bolha de energia. Foi rechaçado por ela e desesperadamente gritou:
_ Meus pais estão no inferno por minha culpa e eu não posso permitir que meus filhos também tenham o mesmo destino. Eu tenho que ir com ele – olhou para Augusto e repetiu: – Eu tenho que ir com ele para salvar minha mulher e meus filhos.
_ Não, Estêvão. Não precisa! – gritou Augusto tentando persuadir o patrão.
_ Ê o pacto! – despejou ele.
_ Desfaça o pacto, Estêvão – gritou Augusto. – Pare de matar pessoas inocentes. Olhe ao seu redor – o anjo abriu os braços mostrando a cidade de Juiz de Fora incendiada, – veja quanta morte desnecessária.
Estêvão parou por um momento ainda flutuando no ar com suas enormes asas negras. Olhou para a igreja incólume dentro da bolha de energia, olhou para a cidade à sua volta ou o que sobrou dela. Para onde ele olhava ele via fogo, explosões e morte! Não havia mais uma construção em pé! Viadutos, pontes e edifícios foram destruídos e continuaria infinitamente. O inferno estava instalado a partir do Centro da Manchester Mineira.
Ele não sabia o que fazer. O emissário do inferno ainda no portal observava a indecisão de Estêvão e gritou com ele:
_ Você tem que cumprir o pacto, Estêvão. Seus pais o esperam no inferno. O portal vai se fechar. Você vai se perder sem ajuda.
_ Não acredite nele – gritou Augusto. – Desfaça o pacto.
_ Preciso resolver uma coisa antes – disse ele alto.
Estêvão virou-se em direção ao portal e voou em grande velocidade atropelando o colega demônio na entrada. Os dois caíram para o outro lado e o portal se fechou.
Augusto chorou. Sentiu-se derrotado. Sentiu que a destruição da cidade, as mortes e perdas importantes não tiveram razão de ser. Olhou para o céu e pediu.clemência a Deus.
Dentro da igreja a família de Estêvão rezava. Marcelo continuava dormindo. No seu corpo apareciam manchas vermelhas. Talvez estivesse em coma. Jorge e Márcio confortavam a mãe e com ela rezavam em voz alta. O padre, sentado na cadeira ao lado direito do altar, continuava em preces com a ajuda dos espíritos iluminados que viviam na igreja.
Selma estava muito cansada. Exausta de tanto estresse e tanto medo. Ela não sabia o que estava acontecendo do lado de fora da Catedral, mas tinha medo de perder o marido, perder os filhos. Não sabia nada a respeito de seus parentes que moravam no bairro Santa Luzia, alguns no bairro de Lourdes. Desde que começou essa loucura eles estavam ilhados, sem telefone, sem celular. Não havia nenhuma informação externa. Quanto tempo eles estavam presos ali dentro?
_ Mãe – chamou Jorge, – no que você está pensando?
_ Em tudo isso, meu filho. Seu pai fez tudo isso por amor a vocês – ela voltou a chorar. – Eu não sei no que ele se transformou, mas foi desespero e amor.
_ Como assim, mamãe? – perguntou Márcio.
_ Seu pai estava desempregado e totalmente sem dinheiro. Havia ainda a doença do Marcelo que nunca ficou bem esclarecida, mas era sempre preciso comprar remédios, consultas de médicos particulares e caros. Enfim, estávamos para perder inclusive nossa casa. Seu pai estava desesperado. Não sabia o que fazer – ela abraçou o filho mais novo.
_ E qual era a doença que seu filho tinha, dona Selma? – perguntou o padre ouvindo o desabafo da mãe.
_ Era uma doença neurológica, padre – respondeu ela. – Nenhum médico chegou a confirmar o diagnóstico. Ele não conseguia firmar os músculos, andava sempre amparado pelos outros, tinha déficit de atenção e não conseguia entender muitas coisas que falávamos com ele ou mesmo na escola. Tinha muita dificuldade. Porém, nada do que ele tinha de sintomas fazia sentido para os médicos que pensaram em várias doenças, mas nunca conseguiram fechar um diagnóstico. Ele tomou anticonvulsivantes, mas nunca teve convulsão. Tomou vitaminas, nunca tinha força ou melhorava daquele quadro de apatia constante. Parecia mesmo que alguém roubava a energia de seu corpo o tempo todo.
_ Entendo, senhora – disse o padre. – Isso pode ter sido um caso de possessão demoníaca. Desculpe dizer assim, mas estamos enfrentando o demônio, nada é pior. Seu filho pode ter sido vítima de vampirismo demoníaco. Um espírito maligno que drenava suas forças para levar a família toda ao desespero.
_ Padre, que horror – Selma estava assustada. – Mas somos católicos, frequentamos a igreja.
_ Às vezes, só isso não basta, minha filha – disse o padre confortador. – Mas tudo será resolvido pelo poder de Deus. Continue tendo fé.
O padre se aproximou de Marcelo e viu em sua testa a cruz invertida, um dos símbolos satânicos. O demônio estava usando a energia do rapaz para manter o portal aberto. Ele precisava cuidar daquilo.
Selma sentiu-se mais aliviada de ter desabafado tanto para os filhos quanto para o padre. Estava mais leve. Abraçou os filhos e continuou observando Marcelo que confortavelmente dormia no chão da igreja sobre a toalha do altar mor. Ela não via os símbolos que apareciam na pele do filho.
Os espíritos de luz dentro da igreja continuaram cuidando do escudo de energia enquanto do lado de fora a cidade ardia em chamas.

            

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Artur Laizo Escritor

Artur Laizo nasceu em 1960, em Conselheiro Lafaiete – MG, vive em Juiz de Fora há quatro décadas, onde também é médico cirurgião e professor. É membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, Sociedade Brasileira de Poetas Aldravistas e presidente da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora - LEIAJF.

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