Ele estava lá sentado no banco do restaurante na área de alimentação do Shopping Independência. Era muito jovem, deveria ter oito anos, talvez menos. Era muito difícil alguém passar e não vê-lo, mesmo porque ele estava sozinho e parecia feliz. Havia comido um hambúrguer do Digão e não parecia estar esperando por ninguém.
Esse fato se confirmou quando todos no Shopping já tinham ido embora e sobraram somente aquelas pessoas que cuidam do nosso prazer de ir a um lugar desses e ver tudo limpo, arrumado, comida pronta, enfim, restavam somente os empregada de cada restaurante que deveriam limpar e fechar o estabelecimento para o dono que deveria estar em casa satisfeito com seus lucros.
O menino estava lá. Parado na mesa, esperando. Esperando o quê? Ele tinha os olhos vívidos e uma pele bonita como toda criança. Apesar de loiro, era apenas uma criança normal e pelo visto, não seria um adulto loiro de olho azul bonito, pelo contrário. Ele se juntaria a um monte de branquelos loiros de olho azul feios.
Mas era uma gracinha de criança. Acenava para todos e sorria parecendo feliz.
Meia noite e lá estava ele olhando para o aviso de senhas do restaurante onde havia comido como se esperasse o seu pedido. Não havia mais pedido. Não havia mais fogões acesos e o menino estava lá, olhando para frente e esperando. Esperando o quê?
Pedro foi o último naquele lado da praça de alimentação a fechar o seu restaurante de sanduíches. O shopping já estava na penumbra e o menino ainda estava lá.
_ Rapaz – chamou Pedro, – o que você faz aqui?
_ Estou esperando.- respondeu o menino.
_ Esperando o quê? – Perguntou Pedro.
_ Para ir para uma casa – respondeu o garoto.
_ Mas, você está sozinho? Onde estão seus pais?
_ Não sei. Não tenho pai só mãe. Acho que nem mãe eu tenho.
_ Claro que tem. Todo mundo tem – argumentou Pedro. – Como é seu nome?
_ Luiz Fernando – respondeu ele.
_ Para onde você vai agora?
_ Não sei – respondeu o garoto. – Não sei.
_ Onde você mora, Luiz Fernando? Posso chamar você de Luzfe? É mania do povo hoje em dia.
_ Pode. Luscfer é bom.
_ E onde você vai agora?
_ Não sei! – o garoto começou a chorar e olhar ao redor como se procurasse a mãe. – Não sei!
_ Nossa, cara, que difícil – Pedro estava atordoado com a história. – Chamar a polícia.
_ Não! – gritou o rapaz. – A polícia não iria entender.
_ Mas o que fazer?.- perguntou Pedro.
_ Vou ligar para minha mãe – definiu o garoto.
Luzcfer fez uma ligação no celular e uma mulher atendeu:
_ Mãe – chamou ele, – onde está você?
_ Em.casa, querido, e você?
_ No Shopping, mãe – disse ele quase chorando.
_ No Shopping? – perguntou a mulher histérica
_ Sim. Estou aqui com meu amigo Pedro que está me ajudando.
_ Ele está ouvindo nossa conversa? – perguntou a mulher.
_ Sim, eu coloquei em viva-voz – responder o menino.
_ Ótimo – a mulher riu. – Eu não posso buscar você.
_ Ele pode ficar comigo, senhora – interferiu Pedro.
_ Agradeço muito – ouviu-se a voz da mulher que desligou o telefone.
_ Eu não quero dar trabalho – sussurrou o menino.
_ Não se preocupe – garantiu o rapaz do shopping. – Será apenas por essa noite.
Pedro levou o menino para sua casa pensando em quão irresponsável era essa mãe que abandonou uma criança no shopping e nem se interessou em saber quem era o homem que estava com seu filho.
Em casa, Pedro apresentou o menino para a esposa Sonia e foram direto para a cozinha comer alguma coisa antes de dormir. O garoto parecia bem cansado. Pedro o colocou para dormir no quarto extra que seria o de seu filho quando Sônia conseguisse engravidar, mas alguns abortos espontâneos aconteceram e depois disso, apesar de não evitarem, ela nunca mais engravidou. Luscfer se deitou com a roupa do corpo e adormeceu na mesma hora.
Pedro ainda tomou banho antes de dormir e ao se deitar ao lado da esposa, ela disse:
_ Você é meio louco de trazer pra casa uma criança? Isso pode dar problemas para nós.
_ É só por uma noite, querida. O pobrezinho estava desesperado por ter sido esquecido no shopping
_ Que mãe faz uma coisa dessas? – observou a mulher.
_ Hoje em dia o mundo está de cabeça para baixo – constatou Pedro.
Esquecido o assunto do garoto, o casal se amou e adormeceu. Estavam ambos exaustos do dia inteiro de trabalho. Sonia trabalhava como cuidadora de idosos durante todo o dia.
Pedro acordou de madrugada. Olhou no relógio e viu que eram três e vinte da manhã. Que merda, pensou. Ainda é muito cedo. Levantou-se, foi ao banheiro, urinou e voltou para o quarto. Como a casa toda estava escura, não teve como não notar que havia luz na fresta da porta do quarto onde dormia o menino. Ele se dirigiu à porta e quando colocou a mão na maçaneta percebeu que ela estava quente, quase queimou-lhe a mão. Insistiu e abriu a porta. Assustou com o que viu, mas não teve tempo nem de gritar, foi sugado para dentro do quarto e a porta se fechou.
Ele estava em um lugar que não era mais o quarto do seu futuro filho. As paredes eram negras, ou não havia paredes ali e era somente escuridão. Ele não conseguia ver o que estava ao seu redor, mas ali no meio daquele espaço estava o menino. Ele olhou para aquele homem de mais de dois metros de altura com a pele vermelha que o olhava de volta.
_ Onde estou? – perguntou ele sem medo.
_ Onde você acha que está? – perguntou aquele ser imenso que exalava um cheiro ruim.
Pedro observou o demônio à sua frente. Era um corpo de homem musculoso sem exageros, sem pelos na pele vermelha e olhos também vermelhos incandescentes. Ele sabia que era Luscfer. Ele sabia que era o menino que ele trouxera para casa.
_ O que você quer? – perguntou Pedro.
_ Quero você – respondeu o demônio.
_ Como é seu nome?
_ Lúcifer, mas pode continuar me chamando de Luscfer. Você não percebeu nada, Pedro?
_ Por que você está aqui? – insistiu Pedro.
_ Eu vim buscar a sua alma – explicou Lúcifer. – Você não vai mais viver nesse planeta – ele riu.
_ Por quê? – Perguntou Pedro.
_ Você é um ladrão, Pedro. Você está roubando o shopping onde trabalha. Você está traindo a sua esposa, você arquitetou tudo para que ela abortasse três vezes – matou três filhos – e tem outra mulher desgraçada esperando um filho seu. Seus planos futuros, matar a pobre coitada e adotar o próprio filho. Você é um crápula!
_ Por que você veio me buscar? – perguntou Pedro.
_ Cansei de você fazendo merda, Pedro. Você não merece viver aqui. No inferno, vai se sentir em casa.
O quarto estava cada vez mais quente. A hora passava depressa em três e trinta e três no relógio da sala – a hora do demônio. Parecia que alem de mais quente, estava também mais escuro. O cheiro de enxofre estava insuportável. Pedro começava a ter medo da criatura à sua frente.
_ Mas e quem era a mulher no telefone que dizia ser sua mãe? – perguntou incrédulo Pedro.
De repente, a porta por onde Pedro foi sugado se abriu e Sônia estava na soleira. Pedro viu a mulher e pensou em sua salvação. Ela entrou devagar no cômodo, passou pelo marido e se postou ao lado da criatura. Ela respondeu:
_ Eu sou a mamãe, querido.
_ Posso enganar quem eu quiser – continuou Lúcifer.
Pedro arregalou os olhos e gritou. Seu grito se juntou a milhares no infinito do inferno e ele caiu na escuridão que se abriu aos seus pés
Na manhã seguinte, Sonia acordou sozinha, se levantou da cama e foi para a cozinha fazer café. Postou a mesa para dois e foi ao quarto extra. Luscfer dormia serenamente.
_ Querido, vamos tomar café?
_ Vamos sim, mãe. Bom dia.
O cheiro de enxofre ainda estava presente no quarto, mas estava no lugar certo.
O MENINO DO SHOPPING
